Estava, muitas vezes, à porta de casa a apanhar sol. Punha as mãos no colo e falava com as vizinhas que passavam na rua empedrada e estreita. Hoje faria 108 anos. Há dois anos foi embora, no dia de Nossa Senhora de Fátima, sua intima amiga. Parabéns, avó.
31.1.09
AVÓ
Estava, muitas vezes, à porta de casa a apanhar sol. Punha as mãos no colo e falava com as vizinhas que passavam na rua empedrada e estreita. Hoje faria 108 anos. Há dois anos foi embora, no dia de Nossa Senhora de Fátima, sua intima amiga. Parabéns, avó.
30.1.09
"QUERES COMER ALGUMA COISA?"
Saíram para ver o filme. Na fila dos bilhetes, alguém perguntava alto:
- Queres comer alguma coisa?
Largaram enorme riso e pouco espanto. Comer no cinema, valha-me Deus:
- A senhora jantou?
Olhos grandes se lhe dirigiram:
- Que tem o senhor a ver com isso?
- Nada, apenas assegurar-me de que está satisfeita.
O riso tornou-se incontrolável. O filme começou entre os cotovelos fixos e os olhos brilhantes e pesados. Brad pitt tinha nascido velho com alma de novo e tinha morrido novo com alma de velho. A vida de trás para a frente, como eles! A senhora que tinha o saco do lidl aos pés estava indignada. O riso incomodou-a até ao fim da história, mais que o saco que chiava a cada movimento.
O amor, outra vez o amor. A idade, outra vez a idade. Desencontros, outra vez desencontros. Morrer bebé, nos braços da amante. Bonito. Ela apreciou a mota de Brad e o penteado de Blanchett, o tom de voz do senhor dos botões e o velho barco que conduzia à morte. O mar era lindo e o ballet também. Lembrou-se do tempo no hospital e da sensação incapacitante de não conseguir andar. Puxou pela cabeça e ainda imaginou um amor sem barreiras, daqueles que não podem existir, de tanta perfeição que encerram. Estendeu as pernas no banco da frente e semicerrou os olhos. Viu o brad bonito, como sempre. A cada cinco minutos ia ficando mais novo, passava da fase do charme para a de imberbe. Só o conseguiu ver em forma, durante quinze minutos.
Ele ficou quieto, com os olhos cheios de curiosidade. Ria quando se lembrava da frase da senhora na fila da bilheteira. Respirava devagar, ao ritmo das sombras que o tempo desnudava na tela, ao sabor das palavras de Blanchett, postas no espaço de um amor datado.
Saíram tarde. A casa aquecida.
- Temo que a noite não chegue para festejar.
- É pena, o relógio mantém as horas direitas.
- Vamos pará-lo?
- Vamos.
28.1.09
NÃO É
Inquietante pensarmos no que é, no que não é, no que parece, no que pode ser e no que não chega a parecer.
27.1.09
CLARIDADE
26.1.09
CEGUEIRA
Magritte
Que os olhos sejam, em alguns momentos, instrumento de pouca importância. Ver pode significar cegueira.
25.1.09
JUSTINE
Magritte
O amor misturado com ideais, confundido com expectativas, resvala na berma da solidão. Interessam-nos os dias, as noites, a cama, a refeição, as férias e os beijos. Queremos que o amor se submeta às exigências pessoais, aos caprichos e desejos íntimos inconfessáveis. O amor certinho, onde tudo encaixa como íman em porta de frigorífico. A cama feita e o corpo cheiroso. O carro cheio de alegria ao domingo e os cabelos arranjados para a festa.
As mulheres esperam protecção, ajuda, amparo, presença, segurança e competência sexual. Aos homens, é-lhes prometida a mulher que pouco fala, a submissa, a que depende e espera, a que cuida, a que grita na cama e é senhora à mesa. Amor viciado e cabeças abarrotadas de esperança.
Justine gritava e amava o corpo que lhe pedia prazer, entregava-se à vida e ao tempo com a consciência do amor que advém da comunhão de espíritos e de pensamentos. Acreditava no que explode dentro de almas independentes que se fundem para se expandir. Amor sem espera. O amado que vive experiências iguais às minhas, o que fala sobre a mesma beleza, o que me permite a comparação entre duas vidas, como a mesma imagem vista em espelhos diferentes. Amor que precede o primeiro olhar, o primeiro beijo, o primeiro contacto, precede as primeiras declarações que assinalam o ponto de viragem porque, a partir daí, degenera em hábito, em posse e em solidão.
Justine sabia que “uma cidade pode tornar-se um universo quando estamos apaixonados por um dos seus habitantes”. Sabia a verdade: ser mulher forte impedia-a de ser verdadeiramente amada. Privar-se de si levava-a ao encontro de mais um amor pequeno. Era disso que fugia.
24.1.09
VICKY CRISTINA BARCELONA
Vicky julgava saber o que queria. Cristina julgava saber o que não queria. Juan António vivia entre o querer e o não querer. Maria Helena entre o saber e o não saber. O pai poeta pode ser o personagem principal. Veja.
DOBRAS E GRITOS (32)
24 - RENÉ MAGRITTE
Em 1916, ingressou na Académie Royale des Beaux-Arts, em Bruxelas, onde estudou dois anos. Conheceu, durante esse período, Georgette Berger, com quem se casou em 1922. Trabalhou numa fábrica de papel de Parede, e foi designer de cartazes e anúncios até 1926, quando um contrato com a Galerie la Centaure, fez da pintura a sua principal actividade. Nesse ano, Magritte produziu a sua primeira pintura surrealista, tendo apresentado a sua primeira exposição no ano seguinte.
Mudou-se para Paris em 1927, onde começou a envolver-se em actividades do grupo surrealista, tornando-se grande amigo dos poetas André Breton e Paul Éluard, bem como do pintor Marcel Duchamp.
Quando a Galerie la Centaure fechou , Magritte retornou a Bruxelas. Permaneceu na cidade durante a ocupação alemã, na Segunda Guerra Mundial. O seu trabalho foi exposto em 1936 na cidade de Nova York e em mais duas exposições retrospectivas, uma no Museu de Arte Moderna, em 1965, e outra no Metropolitan Museum of Art, em 1992.
Morreu em 1967.
23.1.09
RESPOSTA POSSÍVEL
22.1.09
NESSIM
21.1.09
CAPAS DE MAU GOSTO
Vieira da Silva
20.1.09
A VIDA DEFINIDA
Vieira da Silva
O telefonema de um amigo é sempre recebido com gosto. Tinha que responder a perguntas sobre a vida e a morte. Pedido de ajuda surgiu e foi aceite. Sabia-o inquieto.
Desliguei o telemóvel com a ideia de que teria que definir a vida. Raras vezes me preocupo com definições, penso a partir de incertezas e isso limita o acto de definir que é, ele próprio, uma limitação. A tarefa não se apresentava fácil.
A vida pode ser a oportunidade que nos dão para dizermos quem somos. Pode ser o tempo que nos oferecem para a descoberta do eu. Pode ser a angústia dos dias vividos sem rede. Pode ser a alegria do improviso. Pode ser a inércia, a luta, o prazer, o sacrifício, a esperança, a espera…
Pergunta difícil. Percorri mentalmente alguns autores e abri o livro que trago em mãos: Robert Musil; O homem sem qualidades: “No fundo, poucas pessoas saberão a meio da vida, como chegaram a ser o que são, aos seus prazeres, à sua visão do mundo, à sua mulher, ao seu carácter, à sua profissão e aos seus êxitos, mas sentem que a partir daí as coisas já não irão mudar muito."
Era preciso enviar um e-mail para sossegar quem esperava resposta. Era preciso dizer que esse tempo oferecido e não escolhido é o tempo da construção, da evolução do eu que não pediu para nascer e que, necessariamente, tem dias para experimentar, em sucessão contínua e sem ensaio. O bocado de tempo de que dispomos é semelhante à subida de uma imensa escadaria. Olhamos para ela e pensamos nos degraus, na ausência ou presença de corrimão, nos patamares por que passamos, nos estalidos das pernas e na respiração. O caminho começa lento, não ousamos correr sem permissão do corpo, subimos devagar, apoiados e seguros. Um dia, quando os músculos ficam fortes e as mãos já não buscam apoio, os degraus parecem mais fáceis, a agilidade ultrapassa o próprio corpo e vamos.
Vem o tempo da acalmia, as escadas ganham sentido, pensam-se os movimentos e a subida é um prazer tranquilo. Sem angústia, passamos pelo tempo com consciência. Chegar a saber, a meio da vida, o que se é, depende da forma como subimos a escada. A vida vem ter connosco, como dizia Musil mas a atenção é urgente, necessária e obrigatória. À menor distracção, ficaremos do lado da maioria, dos que não chegam a saber o que são nem como chegaram à vida que têm.
16.1.09
NORTE
Que me leve, o entendimento do belo, ao espaço de exposição da obra. Juan Muñoz em Serralves e amigos ao almoço. Bom Fim de semana.
15.1.09
14.1.09
FUMAVA A FINGIR
13.1.09
INTENÇÕES
12.1.09
REALIZÁVEIS IMPOSSIBILIDADES
11.1.09
"A TROCA"
A fronteira entre a lucidez e a loucura pode ser muito ténue. Clint Eastwood sabe como incomodar o público. É preciso.
10.1.09
23 - VIEIRA DA SILVA
Em 1911, morre o seu pai e instala-se com a mãe na casa do avô materno. Recebe lições de música, pintura e desenho. Estuda escultura na Escola de Belas Artes de Lisboa. Vai com a mãe para Paris e frequenta a Academia La Grand Chaumière e o atelier de Bourdelle. Em 1930, Casa com o pintor Arpad Szenes e em 1933 dá-se a sua primeira Exposição individual, em Paris.
Em 1940, o estado português recusa-lhe a nacionalidade. Parte com o marido para o Brasil. Participa em várias exposições e em 1947, regressa a Paris.
Recebe a nacionalidade Francesa em 1956 e em 1960, recebe do estado Francês o grau de Chevalier de L’Orde des Arts et des Lettres.
Em 1964, morre a mãe e realiza o seu primeiro vitral. Em 1975, realiza dois projectos de cartazes alusivos ao 25 de Abril. Em 1985, morre Arpard Szenes. Em 1988 dá-se a inauguração da estação do Metro da Cidade Universitária em Lisboa, decoração por si concebida. Em 1990 surge a Fundação Vieira da Silva-Arpad Szenes. Em 1991, recebe o Officer de la Légion d’Honneur.
Morre em Paris em 1992.
9.1.09
FUGA
Gustav Klimt
Nos dias de Inverno, as árvores estão tão nuas quanto eu. As folhas fogem com o vento e eu, fujo do que sinto.
8.1.09
ANGÚSTIAS
Amanhã vou encontrar-me com ela. Não tenho culpa. Sei que o dia não corre bem quando me esperam angústias.
7.1.09
PASTAS COM NOMES A CONDIZER
6.1.09
A RAZÃO DE SER
Dentro está aquilo que procuro. Espreito o ser. Devagar, em direcção ao centro do que vale a pena. No silêncio do grito, encontro sempre a razão da existência.
5.1.09
A VIDA VEM TER CONNOSCO
"No fundo, poucas pessoas saberão, a meio da vida, como chegaram a ser o que são, aos seus prazeres, à sua visão do mundo, à sua mulher, ao seu carácter, à sua profissão e aos seus êxitos; mas sentem que a partir daí as coisas já não irão mudar muito. Poderia mesmo afirmar-se que foram enganadas, porque não se consegue descobrir em lugar nenhum a razão suficiente para que tudo tenha acontecido como aconteceu, quando teria sido perfeitamente possível ter acontecido de outra forma. O que acontece, aliás, raramente depende da iniciativa dos homens, mas quase sempre das mais variadas circunstâncias, dos caprichos, da vida e da morte de outras pessoas, e, de certo modo, limita-se a vir ter connosco naquele preciso momento."
Robert Musil; O Homem Sem Qualidades.
3.1.09
PERTO
2.1.09
1.1.09
A CORRIDA
O ano que passou já não existe. Agora a corrida começa, em frente ao cavalo das horas que parte em direcção ao mundo de 2009. Parece que vai ser ano mau, com a recessão económica à espreita, desemprego e coisas feias que se anunciam em hora de jantar nas televisões portuguesas.
Eu cá prefiro enfiar a cabeça na areia e não ouvir maus presságios. Prefiro correr um dia de cada vez e vive-lo com a energia que o meu corpo produz em cada momento. Eu cá não gosto de Natais, Carnavais, Passagens de Ano ou Páscoas. Não gosto de pessoas reunidas por causa das datas, não gosto de vinhos que se abrem por causa dos dias, não gosto de pessoas que riem por causa das badaladas nem me apetece fazer aquilo que os outros fazem. Tenho mau feitio. Péssimo. Dizem que sou muito estranha...