29.9.11

HÁBITO

O hábito é tão castrador que nos empurra para uma aflição imensa quando deixa de existir. Precisamos da segurança do hábito e vivemos nessa ilusão. O tempo traz consigo o claro e o escuro, o dia e a noite. 
Todas as horas permitem a contagem dos cabelos brancos e das rugas. Se o tempo não fosse construção colectiva, se fosse possível não entender mais que o sol e a lua, a minha idade era apenas nenhuma. 
A lucidez é muito mais complexa que a ignorância e a possibilidade de parar o tempo na minha consciência pode transportar-me até ao nível das pedras que têm tempo dentro delas mas não sabem.

28.9.11

TREVAS

A estrada paralela ao mar estava vazia, como vazios podem ser os dias que o não são. A consciência que tenho do tempo não me permite a compreensão do que sou. O tempo faz-me entender contextos, é uma construção que permite que a vida se organize, que os dias se contem, que os meses se sucedam e que as horas se passem. 
Presa ao tempo, vivo dias sem controlo, entre a escuridão e a claridade, a indignação toma conta de mim. É o escuro que perturba, a ausência de luz pode turvar-nos tanto que caímos no abismo. 
Quando a ignorância cresce à medida que a escuridão avança, as trevas invadem o difícil.

27.9.11

Diário de Etelvina (02)

A Dra. Guilhermina era uma mulher de meia idade. Elegante e altiva. Falava muito alto, Etelvina não estava habituada, na loja de lingerie vivia sozinha a atender os clientes. Agora tinha uma chefe que gritava com a voz e com os braços.
Percebeu que teria de seguir, todos os dias, para a sala 33 do piso 3. As mulheres estavam à sua espera. Etelvina tinha a função de animadora, preceptora, professora, enfermeira, o que fosse preciso para as manter ocupadas.
Quando subiu as escadas viu que todas se dirigiam para o refeitório. Entrou na sala 33 e preparou a respiração.


26.9.11

Diário de Etelvina (01)

Etelvina entrou no hospital psiquiátrico. A chefe de psiquiatria estava ao telefone, falava tão alto que as palavras soavam no corredor. Chegou um funcionário e explicou-lhe que teria de ir conhecer os doentes, estavam no piso três na sala trinta e três. 
Etelvina tinha sido contactada para a primeira entrevista e ia entrar na sala dos doentes sem saber o que fazer. Seguiu o funcionário e espreitou. Muitas mulheres sentadas nas cadeiras encostadas à parede, falavam com os braços e uma delas chuchava no dedo com tanta força que parecia ir comer-se a si mesma. 
Enquanto escolhia as palavras sentiu uma mão no ombro e uma voz que lhe disse: Agora podemos falar. Venha comigo.
Etelvina seguiu a Dra. Guilhermina Guilherme até ao andar de baixo.


23.9.11

VERDADE ACIMA

Este fim-de-semana vou ocupar-me da verdade dos factos, ou seja, dos factos que são verdade, isto é, da verdade que se retira dos factos, quer dizer, dos factos que também escondem verdades. 
Este fim-de-semana vou ocupar-me da verdade. Acima dos factos. 

P.S. A Etelvina, está a adaptar-se ao novo emprego para poder contar coisas.

22.9.11

ÚLTIMO PASSO

Quando uma pessoa se torna testemunha perfeita do corpo, da mente e da emoção, não lhe resta outra coisa senão esperar. A recompensa acontece por si própria.

21.9.11

MAIS UM PASSO

3º Passo - Observação das emoções, dos sentimentos e dos estados de espírito. Observe sem julgar.

20.9.11

OUTRO PASSO


2º Passo - Observação da mente. Se você for bem sucedido na observação do corpo, em princípio não encontrará dificuldades nesta fase.

17.9.11

OUTRO MUNDO

A componente sobrenatural da generalidade das religiões parece-me uma projecção deste mundo no futuro. A descrição de um “Paraíso” é uma versão melhorada do mundo real. As coisas de que não gostamos neste mundo não vão existir no outro. Depois abundarão as coisas boas para todos. O outro mundo terá alguma coisa de novo?

16.9.11

NATUREZA ESQUECIDA


Parece-me que a generalidade das pessoas procura a sua identidade. Perdeu-se a capacidade de movimento e de autonomia. As pessoas precisam de alguém no exterior que lhes diga quem são. Desejam uma identidade e aceitam-na vinda de fora. Esquecem-se da sua natureza. Perigoso.

15.9.11

BEM ESQUECIDO


A História está cheia de conflitos, vive dos actos de maldade, concentra-se nos que criam desajustes. A história está recheada de personagens loucas, regista-se sempre o que correu mal. Quando alguma coisa corre muito bem, cai fora do tempo e da história. O esquecimento leva o que é bom para longe, não marca, não interessa e não vende.

13.9.11

Etelvina

 
A Etelvina teve que fechar a loja de lingerie comestível. Falência. As pessoas deixaram de ter tempo para brincadeiras. A crise afectou o negócio e Etelvina  decidiu mudar de vida. Viu um anúncio no jornal:" procura-se funcionária para hospital psiquiátrico". 
Etelvina foi contratada e começará a trabalhar em breve.

9.9.11

DESENCONTRO

Os dias têm sido longos e curtos. Longos por causa da consciência e curtos por causa do corpo. Enquanto corpo e consciência não se encontrarem, este blogue vai andar lento, ao ritmo possível de um desencontro.

5.9.11

4.9.11

TEMPO

Quando as horas e a vontade vivem disputa sem fim. Quando a vontade perde a luta e fica a sensação de que as horas se foram embora, diz-se com a tristeza na voz: não tenho tempo.

3.9.11

NOVA NOÇÃO DE REALIDADE

Se o relógio não existisse, podia contar os dias e as noites mas não podia contar as horas e isso alteraria toda a noção de realidade.