30.6.11

O REGRESSO DO CORPO

Depois vem o sol aquecer os corpos, dilata-los e fazê-los vermelhos. Depois vem o mar pôr o sal em cima da pele que seca debaixo do sol. 
Depois de tudo o que molha e queima, vem o trabalho esquecido em cima da pedra e da areia. Regressa o corpo ao estado de normalidade ausente.

29.6.11

ALERTA SILENCIOSO

Vigiar um exame é ter de permanecer inerte durante 150 minutos. Só os olhos podem afirmar existência. Produz-se vigia. 
Um estado de falsa embriaguez aparece ao fim de 60 minutos de alerta silencioso. Depois boceja-se e pede-se que o tempo ultrapasse a consciência numa urgente corrida para fora dali.

23.6.11

MOLHADAS PELO TEJO

Amarradas às cadeiras, as palavras ficaram molhadas. O Tejo veio salpicar o chão de uma esplanada em Santa Catarina. Tirei-as dali depois de beber a sangria. Agora não sei como as seco, não sei como as digo nem como as escrevo.

18.6.11

FUNDAS MARCAS

Fundas podem ser as rugas de quem viveu acima ou abaixo das possibilidades emocionais ou físicas. É preciso aceitar algumas marcas. Questão de equilíbrio e saúde mental.

17.6.11

NA CAMA

Na cama só se pensa enquanto não se dorme e, enquanto se dorme, o sonho pode ser sinal de um tipo de pensamento desfocado das verdades que temos longe.

16.6.11

PODEM COMER-SE PALAVRAS

 Sem luz, grandiosos e serenos, os abraços do Afonso. Eu recebia-os calada. Porque palavras são molas a trincar sentimentos.

15.6.11

SEM ESPERA

Encontrar certezas pode ser embaraçoso. Certezas são tabuleiros cheios de maçãs prontas a comer. Não há espera nem tentação.

14.6.11

FERRUGEM

Mãos enferrujadas não escrevem, não falam nem gritam. Mãos enferrujadas são troncos quietos e silenciosos.

10.6.11

ELEVAÇÃO

"Quanto mais me elevo, menor eu pareço aos olhos de quem não sabe voar." - Nietzsche

6.6.11

FLORES MORTAS

Levantei-me num pulo. As flores da jarra existiam mortas, o cinzeiro da cómoda estava com pó e o cheiro das velas, da canela e do café tinham desaparecido. O meu lugar do sono estava branco. Ri muito alto e corri para a janela. Havia barulho e as mães ralhavam com as crianças que não queriam entrar no carro.

2.6.11

COISAS QUE ME INQUIETAM (34)


Pai, mãe, filha adolescente e criança pequena. Quatro sentados numa mesa de café. A mãe não tirou os olhos do IPad, o pai esmurrou o nariz no portátil, a adolescente depositou as hormonas na PlayStation e o pequeno adormeceu no carrinho. Família moderna? Tenho dúvidas. A certeza do silêncio familiar a tarde inteira.

1.6.11

PROMESSA

Quando percebeu que a criança tinha crescido, decidiu presenteá-la sempre. Todos os anos neste dia. Até que a morte venha dizer que acabou.