31.12.10

COISAS BOAS


Bonitas cores, bons sabores, belos aromas, brancas melodias e brandas texturas.
Feliz Ano Novo.

29.12.10

COISAS QUE ME INQUIETAM (30)


A marca do tempo não está no calendário, vejo-a todos os dias como vinco que não se desfaz nem quando se grita. E a dobra persiste. É a vida? Não, sou eu.

27.12.10

"A PROMISCUIDADE TIRA A VONTADE"


"O que é a experiência? Nada. É o número dos donos que se teve. Cada amante é uma coronhada. São mais mil no conta-quilómetros. A experiência é uma coisa que amarga e atrapalha. Não é um motivo de orgulho. É uma coisa que se desculpa. A experiência é um erro repetido e re-repetido até à exaustão. Se é difícil amar um enganador, mais difícil ainda é amar um enganado.
Desengane-se de vez a rapaziada. Nenhuma mulher gosta de um homem «experiente». O número de amantes anteriores é uma coisa que faz um bocadinho de nojo e um bocadinho de ciúme. O pudor que se exige às mulheres não é um conceito ultrapassado — é uma excelente ideia. Só que também se devia aplicar aos homens. O pudor valoriza. 0 sexo é uma coisa trivial. É por isso que temos de torná-lo especial. Ir para a cama com toda a gente é pouco higiénico e dispersa as energias. Os seres castos, que se reprimem e se guardam, tornam-se tigres quando se libertam. E só se libertam quando vale a pena. A castidade é que é «sexy». Nos homens como nas mulheres. A promiscuidade tira a vontade.


Uma mulher gosta de conquistar não o homem que já todas conquistaram, saquearam e pilharam, mas aquele que ainda nenhuma conseguiu tocar. O que é erótico é a resistência, a dificuldade e a raridade. Não é a «liberdade», a facilidade e a vulgaridade. Isto parece óbvio, mas é o contrário do que se faz e do que se diz. Porque será escandaloso dizer, numa época hippificada em que a virgindade é vergonhosa e o amor é bom por ser «livre», que as mulheres querem dos homens aquilo que os homens querem das mulheres? Ser conquistador é ser conquistado. Ninguém gosta de um ser conquistado. O que é preciso conquistar é a castidade. "

Miguel Esteves Cardoso, in 'As Minhas Aventuras na República Portuguesa.

26.12.10

VEJO-TE

Do lugar onde me sento, vejo-te. No azul me recosto. Céu e árvore e norte. Estás a norte. No lugar onde me sento, lembro-te. Vejo para lá do prédio alto. Tu estás depois do prédio alto.
Daqui vejo céu e árvore e tu. Hoje é um dia de Dezembro. Há uma festa. Estás depois do que eu olho e está frio.

Fumo longo. O encanto de teres sido. Fumam-se coisas em cima de partes do tempo. Alegrias são postas aqui.

Vens com o fumo que inspiro. Ficas dentro porque és norte. A estrada existe e estou. É o entendimento do fumo que me engoliu. Em frente às palavras desenho-te. Envio.
Estou como estou e é muito bom.

14.12.10

A MERCEARIA DO MEU PASSADO

A minha avó Ana era uma mulher marcada por recordações difíceis. A mercearia no centro da vila era um mundo de sabores improváveis. Aspecto duro e magro, vestida de preto e com o cabelo apanhado em carrapito branco luzidio, tinha o amor escondido debaixo do colchão porque a vida lhe ensinara a não o oferecer todo de uma vez.

A minha avó Ana tinha os olhos postos num tempo que já não existia. Vivera-o duramente e queria, todos os dias, escondê-lo dos filhos e dos netos. Pegava na vida com os dois braços e não desistia dela, nem por um segundo.



De manhã, abria as portas altas de madeira grossa e escrevia no livro dos calotes, as contas em atraso. Os fregueses agradeciam-lhe a tolerância e a bondade. Numa das prateleiras do balcão guardava o papel pardo e a caixa dos escudos para fazer os trocos. Nunca me pediu ajuda, a falta de jeito para contas era tão nítida que preferia oferecer-me um bombom enrolado em papel dourado e tão redondo quanto o gesto. Eu sabia que o chocolate era meu, estava dentro de um frasco grande na prateleira mais alta da loja. Em bicos de pés, colocava o dedo pequeno no vidro para escolher a cor do papel que, desembrulhado, me daria todo o sabor.



Mulher firme. A mercearia era o seu sustento e o deleite dos netos que lhe pediam apenas o que ela podia dar. Conheciam-lhe a firmeza dos hábitos: um para cada um – dizia - e estava arrumado o desejo. Lembro-me da canja que fazia depois de depenar as galinhas que guardava no quintal. O fogão em cima da chaminé alta fazia com que cozinhasse como quem espreita. O carrapito branco que compunha enquanto nos dava um beijo era a imagem de uma mulher pouco preocupada com a estética. Encerava a casa com a energia que ia buscar aos afectos reprimidos, e o chão que luzia debaixo dos nossos pés era o reflexo de tudo o que não podia oferecer mas que, ali, se mantinha visível e sem palavras. Julgo que as palavras incomodavam a minha avó Ana.



Acredito que a mulher que guardou o amor debaixo do colchão o fez por saber que, esbanjando-o, correria riscos. Não quis. Viveu a vida oferecendo bombons e anotando adiamentos no livro da bondade.

13.12.10

A ESCOLA ESTÁ A MORRER


As ideias que se têm às três horas da manhã não entram na sala de aula no dia seguinte porque, disciplinas, programas e avaliações têm importância maior. A educação pública exerce enorme pressão sobre alunos e professores. É preciso que todos se conformem, que todos organizem o seu dia em unidades padronizadas de tempo e delimitadas pelo toque da campainha. À semelhança de uma unidade fabril, os operários picam o ponto ao som de um ruído agudo que percorre corredores e corações. Os exames são estandardizados, as aulas são iguais todos os dias, os alunos bocejam, os professores querem fugir para casa cedo e, aquela ínfima parte da humanidade espera que o tempo passe.

O sistema educativo precisa de ser transformado, os bons professores, que vêem a sua criatividade suprimida todos os dias, começam a abandonar o sistema. Interiormente, as aulas e a escola são motivo de enfado e cansaço. A uniformização da educação destrói qualquer sistema com múltiplas e ineficazes reformas. Enquanto os professores não forem livres para trabalhar, descobrindo os talentos e fomentando a imaginação, o tempo dispendido é inútil. Perguntemos a qualquer adolescente o que aprendeu nas mais diversas disciplinas de um currículo sobrecarregado de informação e não obteremos resposta satisfatória. Direccione-se a pergunta para aquilo que, na escola, mais lhes interessa e a resposta será rápida: nada do que se passa nas aulas é estimulante.

Os professores precisam de ensinar aquilo que os alunos precisam de aprender, aquilo que cada um deles tem dentro, o currículo que se enquadra na essência de um grupo de gente que se senta para ouvir, falar e agir. O verdadeiro poder desta abordagem passaria por uma profunda transformação de todo o sistema educativo, por um profundo questionamento do que se entende por inteligência e por uma urgente reflexão sobre a importância da criatividade. É preciso produzir algo de original, na escola e na vida. A produção de ideias originais e valiosas levou-nos, ao longo da história da música, da literatura, da pintura, à descoberta de génios que, com certeza, não começaram o seu trabalho criativo dentro de quatro paredes com muros altos e campainhas a tocar de hora a hora.

Enquanto a escola for um espaço fabril com carácter obrigatório, não existirá lugar para a criatividade. Enquanto os alunos forem para a escola sem entusiasmo e os professores abrirem a porta da sala de aula esperando o toque de saída, não existirá futuro. Enquanto os programas, desadequados da realidade, forem imposição sem critério, todo o sistema ruirá, porque não há inteligência que sobreviva a tanta mediocridade.


11.12.10

FILÓSOFOS DESAJEITADOS?

Usar as palavras deste post de Gonçalo Pistacchini Moita ,pô-las nos braços, nas pernas e no contentamento. Questão de treino e um risco: a solidão oferecida por uma sociedade virada para os pés. Vantagem: a lucidez que vem do céu. E agora? Ando só, ou paro no meio da multidão?

9.12.10

DOBRAS E GRITOS (50)

Dia depois do feriado. As bolachas de manteiga que se colocam dentro do forno ficam estaladiças e loiras. Porque Dezembro é o mês dos doces e porque não há nada na rua que possa ser vivido.

7.12.10

DOBRAS E GRITOS (48)

Uma das mentiras que a humanidade prega a si mesma, toma forma no mês de Dezembro. Todos acreditam que se amam, todos se empenham nos sorrisos, todos são solidários e todos se unem à volta de uma mesa com a toalha encarnada e a cera a derreter. Depois os papéis rasgados ficam no chão e, um ano depois, a memória reaparece.

6.12.10

DOBRAS E GRITOS (47)

Quando a esperança engordava, o sol de Dezembro voltava para me avisar que, uma noite de velas acesas, casa quente, sorrisos abertos, e muitos papéis para rasgar, ia acontecer.

5.12.10

DOBRAS E GRITOS (46)


Nasci numa rua quase íngreme. Em Dezembro o sol escondia-se todos os dias. O meu quarto tinha uma cama de ferro e uma cómoda de madeira. Lembro-me que, em Dezembro, os lugares para as bonecas ficavam mais vazios, porque a esperança era maior e mais gorda.

4.12.10

DOBRAS E GRITOS (45)

O tempo acontece depressa quando todos correm. Viram-se para o sol com os olhos abertos e cegam. Vão pela rua íngreme e cansam-se. Carregam sacos pesados e lamentam todo o tempo gasto em amores de plástico.

3.12.10

O BUCHMANN, OS JOSÉS E OS ANTÓNIOS

O prémio para o melhor livro estrangeiro publicado em França.
Parabéns, Gonçalo M. Tavares.

DOBRAS E GRITOS (44)

Os objectos que as pessoas transportam cheiram a cera. Dezembro é o mês da cera sólida e da cera líquida. O mês em que o tempo acontece depressa. Todos estão ocupados a pensar numa família que existe o ano inteiro. Agora ela é importante.

2.12.10

DOBRAS E GRITOS (43)

O cansaço que acontece em Dezembro é um cansaço tranquilo. Olham-se as luzes e as pessoas e julgam-se puras as palavras. Depois chega-se a casa e pensa-se que tudo o que acontece em Dezembro é fruto de uma humanidade atenta. Mentira.

1.12.10

DOBRAS E GRITOS (42)

Dezembro é o mês do desencanto. As imagens soam-me a falso, as palavras são magras e as pessoas andam cheias de objectos. Viver em Dezembro é cansativo.