31.12.10

COISAS BOAS


Bonitas cores, bons sabores, belos aromas, brancas melodias e brandas texturas.
Feliz Ano Novo.

29.12.10

COISAS QUE ME INQUIETAM (30)


A marca do tempo não está no calendário, vejo-a todos os dias como vinco que não se desfaz nem quando se grita. E a dobra persiste. É a vida? Não, sou eu.

27.12.10

"A PROMISCUIDADE TIRA A VONTADE"


"O que é a experiência? Nada. É o número dos donos que se teve. Cada amante é uma coronhada. São mais mil no conta-quilómetros. A experiência é uma coisa que amarga e atrapalha. Não é um motivo de orgulho. É uma coisa que se desculpa. A experiência é um erro repetido e re-repetido até à exaustão. Se é difícil amar um enganador, mais difícil ainda é amar um enganado.
Desengane-se de vez a rapaziada. Nenhuma mulher gosta de um homem «experiente». O número de amantes anteriores é uma coisa que faz um bocadinho de nojo e um bocadinho de ciúme. O pudor que se exige às mulheres não é um conceito ultrapassado — é uma excelente ideia. Só que também se devia aplicar aos homens. O pudor valoriza. 0 sexo é uma coisa trivial. É por isso que temos de torná-lo especial. Ir para a cama com toda a gente é pouco higiénico e dispersa as energias. Os seres castos, que se reprimem e se guardam, tornam-se tigres quando se libertam. E só se libertam quando vale a pena. A castidade é que é «sexy». Nos homens como nas mulheres. A promiscuidade tira a vontade.


Uma mulher gosta de conquistar não o homem que já todas conquistaram, saquearam e pilharam, mas aquele que ainda nenhuma conseguiu tocar. O que é erótico é a resistência, a dificuldade e a raridade. Não é a «liberdade», a facilidade e a vulgaridade. Isto parece óbvio, mas é o contrário do que se faz e do que se diz. Porque será escandaloso dizer, numa época hippificada em que a virgindade é vergonhosa e o amor é bom por ser «livre», que as mulheres querem dos homens aquilo que os homens querem das mulheres? Ser conquistador é ser conquistado. Ninguém gosta de um ser conquistado. O que é preciso conquistar é a castidade. "

Miguel Esteves Cardoso, in 'As Minhas Aventuras na República Portuguesa.

26.12.10

VEJO-TE

Do lugar onde me sento, vejo-te. No azul me recosto. Céu e árvore e norte. Estás a norte. No lugar onde me sento, lembro-te. Vejo para lá do prédio alto. Tu estás depois do prédio alto.
Daqui vejo céu e árvore e tu. Hoje é um dia de Dezembro. Há uma festa. Estás depois do que eu olho e está frio.

Fumo longo. O encanto de teres sido. Fumam-se coisas em cima de partes do tempo. Alegrias são postas aqui.

Vens com o fumo que inspiro. Ficas dentro porque és norte. A estrada existe e estou. É o entendimento do fumo que me engoliu. Em frente às palavras desenho-te. Envio.
Estou como estou e é muito bom.

14.12.10

A MERCEARIA DO MEU PASSADO

A minha avó Ana era uma mulher marcada por recordações difíceis. A mercearia no centro da vila era um mundo de sabores improváveis. Aspecto duro e magro, vestida de preto e com o cabelo apanhado em carrapito branco luzidio, tinha o amor escondido debaixo do colchão porque a vida lhe ensinara a não o oferecer todo de uma vez.

A minha avó Ana tinha os olhos postos num tempo que já não existia. Vivera-o duramente e queria, todos os dias, escondê-lo dos filhos e dos netos. Pegava na vida com os dois braços e não desistia dela, nem por um segundo.



De manhã, abria as portas altas de madeira grossa e escrevia no livro dos calotes, as contas em atraso. Os fregueses agradeciam-lhe a tolerância e a bondade. Numa das prateleiras do balcão guardava o papel pardo e a caixa dos escudos para fazer os trocos. Nunca me pediu ajuda, a falta de jeito para contas era tão nítida que preferia oferecer-me um bombom enrolado em papel dourado e tão redondo quanto o gesto. Eu sabia que o chocolate era meu, estava dentro de um frasco grande na prateleira mais alta da loja. Em bicos de pés, colocava o dedo pequeno no vidro para escolher a cor do papel que, desembrulhado, me daria todo o sabor.



Mulher firme. A mercearia era o seu sustento e o deleite dos netos que lhe pediam apenas o que ela podia dar. Conheciam-lhe a firmeza dos hábitos: um para cada um – dizia - e estava arrumado o desejo. Lembro-me da canja que fazia depois de depenar as galinhas que guardava no quintal. O fogão em cima da chaminé alta fazia com que cozinhasse como quem espreita. O carrapito branco que compunha enquanto nos dava um beijo era a imagem de uma mulher pouco preocupada com a estética. Encerava a casa com a energia que ia buscar aos afectos reprimidos, e o chão que luzia debaixo dos nossos pés era o reflexo de tudo o que não podia oferecer mas que, ali, se mantinha visível e sem palavras. Julgo que as palavras incomodavam a minha avó Ana.



Acredito que a mulher que guardou o amor debaixo do colchão o fez por saber que, esbanjando-o, correria riscos. Não quis. Viveu a vida oferecendo bombons e anotando adiamentos no livro da bondade.

13.12.10

A ESCOLA ESTÁ A MORRER


As ideias que se têm às três horas da manhã não entram na sala de aula no dia seguinte porque, disciplinas, programas e avaliações têm importância maior. A educação pública exerce enorme pressão sobre alunos e professores. É preciso que todos se conformem, que todos organizem o seu dia em unidades padronizadas de tempo e delimitadas pelo toque da campainha. À semelhança de uma unidade fabril, os operários picam o ponto ao som de um ruído agudo que percorre corredores e corações. Os exames são estandardizados, as aulas são iguais todos os dias, os alunos bocejam, os professores querem fugir para casa cedo e, aquela ínfima parte da humanidade espera que o tempo passe.

O sistema educativo precisa de ser transformado, os bons professores, que vêem a sua criatividade suprimida todos os dias, começam a abandonar o sistema. Interiormente, as aulas e a escola são motivo de enfado e cansaço. A uniformização da educação destrói qualquer sistema com múltiplas e ineficazes reformas. Enquanto os professores não forem livres para trabalhar, descobrindo os talentos e fomentando a imaginação, o tempo dispendido é inútil. Perguntemos a qualquer adolescente o que aprendeu nas mais diversas disciplinas de um currículo sobrecarregado de informação e não obteremos resposta satisfatória. Direccione-se a pergunta para aquilo que, na escola, mais lhes interessa e a resposta será rápida: nada do que se passa nas aulas é estimulante.

Os professores precisam de ensinar aquilo que os alunos precisam de aprender, aquilo que cada um deles tem dentro, o currículo que se enquadra na essência de um grupo de gente que se senta para ouvir, falar e agir. O verdadeiro poder desta abordagem passaria por uma profunda transformação de todo o sistema educativo, por um profundo questionamento do que se entende por inteligência e por uma urgente reflexão sobre a importância da criatividade. É preciso produzir algo de original, na escola e na vida. A produção de ideias originais e valiosas levou-nos, ao longo da história da música, da literatura, da pintura, à descoberta de génios que, com certeza, não começaram o seu trabalho criativo dentro de quatro paredes com muros altos e campainhas a tocar de hora a hora.

Enquanto a escola for um espaço fabril com carácter obrigatório, não existirá lugar para a criatividade. Enquanto os alunos forem para a escola sem entusiasmo e os professores abrirem a porta da sala de aula esperando o toque de saída, não existirá futuro. Enquanto os programas, desadequados da realidade, forem imposição sem critério, todo o sistema ruirá, porque não há inteligência que sobreviva a tanta mediocridade.


11.12.10

FILÓSOFOS DESAJEITADOS?

Usar as palavras deste post de Gonçalo Pistacchini Moita ,pô-las nos braços, nas pernas e no contentamento. Questão de treino e um risco: a solidão oferecida por uma sociedade virada para os pés. Vantagem: a lucidez que vem do céu. E agora? Ando só, ou paro no meio da multidão?

9.12.10

DOBRAS E GRITOS (50)

Dia depois do feriado. As bolachas de manteiga que se colocam dentro do forno ficam estaladiças e loiras. Porque Dezembro é o mês dos doces e porque não há nada na rua que possa ser vivido.

7.12.10

DOBRAS E GRITOS (48)

Uma das mentiras que a humanidade prega a si mesma, toma forma no mês de Dezembro. Todos acreditam que se amam, todos se empenham nos sorrisos, todos são solidários e todos se unem à volta de uma mesa com a toalha encarnada e a cera a derreter. Depois os papéis rasgados ficam no chão e, um ano depois, a memória reaparece.

6.12.10

DOBRAS E GRITOS (47)

Quando a esperança engordava, o sol de Dezembro voltava para me avisar que, uma noite de velas acesas, casa quente, sorrisos abertos, e muitos papéis para rasgar, ia acontecer.

5.12.10

DOBRAS E GRITOS (46)


Nasci numa rua quase íngreme. Em Dezembro o sol escondia-se todos os dias. O meu quarto tinha uma cama de ferro e uma cómoda de madeira. Lembro-me que, em Dezembro, os lugares para as bonecas ficavam mais vazios, porque a esperança era maior e mais gorda.

4.12.10

DOBRAS E GRITOS (45)

O tempo acontece depressa quando todos correm. Viram-se para o sol com os olhos abertos e cegam. Vão pela rua íngreme e cansam-se. Carregam sacos pesados e lamentam todo o tempo gasto em amores de plástico.

3.12.10

O BUCHMANN, OS JOSÉS E OS ANTÓNIOS

O prémio para o melhor livro estrangeiro publicado em França.
Parabéns, Gonçalo M. Tavares.

DOBRAS E GRITOS (44)

Os objectos que as pessoas transportam cheiram a cera. Dezembro é o mês da cera sólida e da cera líquida. O mês em que o tempo acontece depressa. Todos estão ocupados a pensar numa família que existe o ano inteiro. Agora ela é importante.

2.12.10

DOBRAS E GRITOS (43)

O cansaço que acontece em Dezembro é um cansaço tranquilo. Olham-se as luzes e as pessoas e julgam-se puras as palavras. Depois chega-se a casa e pensa-se que tudo o que acontece em Dezembro é fruto de uma humanidade atenta. Mentira.

1.12.10

DOBRAS E GRITOS (42)

Dezembro é o mês do desencanto. As imagens soam-me a falso, as palavras são magras e as pessoas andam cheias de objectos. Viver em Dezembro é cansativo.

30.11.10

NOTA

Não é meu hábito apagar o que aqui publico. Acontece que, algumas fotografias publicadas e identificadas com o nome do respectivo autor foram alvo, por parte do mesmo, de alguma irritação e descontentamento. Depois de me informar sobre a legitimidade ou não do meu procedimento, verifiquei que não incorri em nenhum acto/crime, apesar de reconhecer que deveria ter informado o autor antes da respectiva publicação. Pelo silêncio antes do acto, ficam as desculpas.

23.11.10

LIVROS GENIAIS


Paul Klee

“Há sons que saem dos actos de amor”. Bloom continua de Viagem, até à Índia. Eu continuo de boca aberta e respiração quase parada. As páginas são brancas e a capa que se esconde por baixo de um vermelho de sangue é de uma brancura irritante. Um senhor que escreve até aos limites do entendimento faz com que a inteligência rebente para dentro de um balde cheio de vontades. Não há nenhuma obra de Gonçalo M. Tavares que possa pôr-se na estante atrás da porta. Todas precisam de ocupar um lugar ao nível dos olhos e das mãos. É preciso comer palavras em dias espessos, porque há sons que saem de livros geniais.

22.11.10

ALÍNEA DA SABEDORIA


Paul Klee

“A sabedoria é um conjunto de habilidades que se exerce na relação com o mundo, em pleno isolamento, e mesmo em plena fuga. Saber como fugir, eis uma alínea da sabedoria."
Gonçalo M. Tavares; Viagem à Índia.

19.11.10

SER OUTRA (8)


Ser outra é, também, engolir a paisagem e sentir que toda a realidade se digere quando o corpo vive e a atenção faz cócegas na consciência.

18.11.10

SER OUTRA (7)


Um dia poderei experimentar a ser outra. Agarrar-me ao volante e sair de mim. Passar pelas árvores e dizer bom dia; olhar para a estrada e perceber que, percorrida, fica com aspecto mais duro, porque por ela passam todos os medos.

17.11.10

SER OUTRA (6)


Um dia poderei experimentar a ser outra. Um dia, quando a minha experiência encontrar lugar, sou eu que vou responder, em frente a um espelho quadrado com moldura grossa. Um dia, quando eu experimentar a ser outra, vou chegar mais perto do espelho que escondi atrás da porta e colocá-lo mesmo em frente à vida.

16.11.10

SER OUTRA (5)


Um dia poderei experimentar a ser outra. Viro-me para o lado esquerdo e digo tudo o que sinto, porque dizer o que penso faz-me deixar de sentir... e isso dói muito.

15.11.10

SER OUTRA (4)


Um dia poderei experimentar a ser outra. Saio à rua na hora do sol nascente e levanto os braços ao céu. Grito a todos quantos me olham e fujo para debaixo das mesas. Depois, vêm buscar-me cedo, antes do sol-posto, para que vizinhos e amigos se despeçam com todas as mãos que têm.

14.11.10

SER OUTRA (3)


Um dia poderei experimentar a ser outra. Fico em casa, fechada por dentro e tapada com uma manta vermelha. Vou buscar os óculos de sol para poder ver a claridade. Depois, adormeço no escuro, que é a claridade em dia de zanga.

13.11.10

SER OUTRA (2)


Um dia poderei experimentar a ser outra. Experimentarei todos os prazeres, sem me preocupar com o que persiste, porque isso, fica tão dentro da caixa que não quero chegar lá.

12.11.10

SER OUTRA (1)


Um dia poderei experimentar a ser outra. Experimentarei todos os prazeres, sem me preocupar com o que acontece na parte de cima da realidade.

11.11.10

CASTANHAS

Hoje toda a gente publica informações sobre castanhas e água-pé. Hoje todos comem castanhas e bebem água-pé. Há gente que escreve posts sobre o que os outros publicam, o que os outros comem e o que os outros bebem. Hoje, há gente que não arranja assunto e prefere sugar o assunto dos outros.

10.11.10

FALTA DE IMAGEM

Não se encontram imagens que façam arrepiar mortais, por isso, escrevem-se palavras sem conteúdo.

8.11.10

ESPAÇOS


Juarez Machado

Fechou os olhos devagar. As pálpebras tocaram no fundo de si. Gemeu. Ficou quieta à espera de poder sentir tudo. O silêncio era imperativo. As mãos enrolaram todos os sentidos e o corpo curvou-se para dizer Sim. Ao mesmo tempo que a porta se fechou, os olhos abriram-se para o espaço que estava em cima da mesa. Pegou nos ombros e na cabeça e ergueu-se. O silêncio tinha deixado de existir.

5.11.10

BALEIA ABSURDA


Kurt Schitters

"Não é por acaso que não consegues, por mais que tentes,
atingir em cheio o dia – qualquer que ele seja –
como se faz às baleias com um arpão.
Os dias têm um invólucro espesso,
uma armadura do material mais espesso que existe:
tudo aquilo de que não se sabe onde está o centro
está seguro.
Assim são os nossos dias que bem queríamos aniquilar
com um arpão. Baleia absurda, sem corpo,
o tempo."

Gonçalo M. Tavares; Uma Viagem à Índia. Canto I


4.11.10

MONÓLOGO FEITO DE BARRO


Não me vês? Já te disse que estou aqui. Parece que fazes de propósito e te escondes para me ver. Eu sei que estás aí. No dia em que desapareceste eu senti mais ainda a tua presença, como se corresses para debaixo da mesa, com o tampo em cima das costas e o medo em cima da alma. No dia em que fugiste, ficaste tão perto que me sufocaste.

Debaixo desse tampo que não te tapa nem te protege, pareces um molde de barro, uma espécie de pessoa que se enrola na massa densa que não materializa coisa nenhuma. O tampo da mesa é duro, mas tu não. Tu és uma qualquer moldura que procura o quadro. Tu és uma pessoa que fugiu para debaixo de uma mesa.

3.11.10

PORQUE SIM


Numa noite em que o calor tomava existência no escritório, Luísa encontrou um corpo por trás de um monitor rectangular e claro. Escrevia palavras com jeito.

Os parágrafos sucederam-se com conteúdo e forma. Bonitos. O interlocutor foi plano. Luísa arrepiou-se, colocou a sensibilidade acima do entendimento e a beleza das palavras aconteceu, a troca de experiências foi realidade. Os dois existiram enquanto foi possível a existência a quatro mãos. Depois, ficaram duas mãos de um lado e duas mãos do outro.
Quando um par de braços se afasta e as mãos se descolam de um teclado dividido em noites quentes, há gente a correr, com o grito calado, com uma indiferença ou uma qualquer indignação. Não tem importância, há relevância nos acontecimentos que encontram sentido numa relação directa de si para consigo. Luísa calou mas sabe, até hoje, que aquelas mãos tiveram forma no momento em que era urgente escrever e sentir.

Agora, enquanto escreve o passado, deseja um presente bonito para quem foi actor de uma história que resvalou no silêncio. E grita alto aos que a ouvem: as palavras não escritas são, muitas vezes, o desassossego, a respiração que se trava porque sim.

1.11.10

DIA DO BOLINHO


Georges Seurat

Com um saco na mão e muita esperança. Reunidos à porta de uma vizinha, íamos contentes, encher o saco de rebuçados, moedas e bolos. No fim do dia era despejado em cima de uma arca. Separavam-se as iguarias do dinheiro e soltava-se o riso. Dia feito.

31.10.10

MARGARIDAS BRANCAS


Lembras-te da história que escrevi antes? Era a de uma mulher e de um homem com muitas coisas para contar. Viviam os dias cruzados por gestos e viajavam para sul quando o sol lhes indicava o caminho. Fechavam-se dentro de uma casa com paredes grossas e faziam a cama com lençóis de linho antigo. Abriam a janela para o canto dos pássaros poder entrar e colocavam na mesa margaridas brancas que retiravam do jardim.

30.10.10

OUTRA HISTÓRIA


Prefiro outra história. A história de quem oferece rosas brancas compradas na florista da Avenida de Roma e corre até ao Chiado para se sentar à mesa de um restaurante que existe desde os anos oitenta e continua lindo. A história de alguém que veste um blusão azul-escuro com pêlo por dentro e o despe para o pendurar na cadeira, antes de se sentar com o corpo e as flores no mesmo gesto.

27.10.10

PEQUENA MORTE


Os franceses chamam ao orgasmo la petite mort, já pensaste nisso? O momento de uma pequena morte é o momento do prazer superior. O instante absoluto da passagem é, com certeza, a libertação, o alívio, o caminho, a elevação, o prazer de outra forma, muito mais intensa, por certo. Morrer é um momento bonito. O sofrimento da partida confunde-se com o sentimento da elevação. O corpo desprende-se e a sensação deve assemelhar-se ao prazer sexual. É difícil definir a morte e o prazer. Já tiveste que explicar a uma criança todas estas coisas? Experimenta. Vais sentir a mesma dificuldade que eu. A analogia é o recurso, a metáfora é a ferramenta e, tudo o que usares para clarificar o conceito ou a sensação te parecerá limitado.

26.10.10

COM A MORTE DENTRO


Sabes o que penso? A vida tem a morte dentro dela. Todos os dias os nossos pés vão em direcção a um fim. Continuamos a percorrer a estrada, convencidos de que não vai acabar. É preciso que nos deitemos numa maca dura e fria a caminho do hospital para percebermos a impermanência e a finitude. É preciso que o peito expluda de dor para que nos lembremos de que vamos morrer. É preciso que o amor esbarre no abismo para percebermos que ele nunca existiu ou que subsistirá.

25.10.10

LONGE DAS GAIVOTAS


Desculpa. O mar continua azul demais e eu continuo sentada. Entre as palavras que lês tomei um duche, esfreguei o cabelo com força, pus creme gordo nas pernas e viajei. Sem maresia, o meu nariz mantém um aspecto mais saudável. Desculpa. Estava chuva demais para poder continuar a história que comecei perto das gaivotas. Voltei a casa porque não aguentei o voar delas. Apercebi-me que não tinha asas e acelerei em cima do alcatrão molhado até ao sítio dos humanos de pés no chão e olhar num horizonte que não conseguem perceber.

23.10.10

COISAS QUE ME INQUIETAM (28)

Levantar cedo ao sábado e ter de olhar para a auto-estrada até ao final de uma linha previamente traçada.

22.10.10

ESTOU CÁ


Artur Bual

O dia em que o grito se fez ouvir na rua estreita de uma vila pequena. O dia em que começou mais uma história. Estou cá e ainda tenho muitas coisas para fazer.


21.10.10

DIA SEGUINTE

Não podia sair. Não encontrava comida no frigorífico nem roupa em cima da cama. Depois de se sentar no sofá sem almofadas, pensou que talvez fosse melhor encontrar o telemóvel para ligar a alguém. Sem bateria. Falta de luz. Tudo desligado. Até a memória dos dias melhores se desligou do presente. Encostou-se à ombreira da porta e adormeceu com a convicção de que o dia seguinte lhe devolveria algum ânimo

19.10.10

O DIA DO SILÊNCIO



Terias, hoje, o telemóvel desligado. Farias do dia um momento de clausura.
Porque ainda me lembro de todas as coisas que me ensinaste, porque ainda sinto o sorriso atrás da porta, porque estás presente em cada gargalhada ou prato de sardinhas assadas em esplanada quente.
Resta a saudade, o desejo despido e a esperança de te encontrar um dia. Com toda a certeza.

18.10.10

17.10.10

PÓ DE ARROZ


Ela tinha tantas dores nas pernas que, todos os dias se sentava ao espelho. O pó de arroz servia para se distrair do que não podia evitar.

16.10.10

SE EU FOSSE RAINHA


Se eu fosse rainha, viajava de jeans e ténis de marca; fugia dos paparazzi para dar um mergulho em praia deserta. Se eu fosse rainha, escolhia os meus empregados pela inteligência e os meus seguranças pelo aspecto.

15.10.10

SE EU FOSSE MINISTRA

Se eu fosse Ministra da Educação, avaliava a pontualidade e o cumprimento de prazos.
Se eu fosse Ministra, contratava supervisores estranhos à escola e punha-os a bater à porta das salas de aula. De surpresa, que é muito mais divertido.
Se eu fosse Ministra da Educação, ia ser mais odiada que qualquer uma que por lá já passou.

13.10.10

PERCURSOS


Georges Seurat

Depois de umas quantas piscinas percorridas e muitos minutos de jacuzzi, o dia parece-me muito mais bonito.

12.10.10

DIFERENÇAS


Georges Seurat

“À medida que se tem mais espírito, descobre-se que há mais homens originais. As pessoas vulgares não acham diferença entre os homens.” Blaise Pascal

11.10.10

DÚVIDA


Foi a gota de água que fez transbordar o copo, ou o copo transbordou porque já estava cheio?

10.10.10

MÃOS ENTRETIDAS


A chuva caía no rio sem se ouvir. Porque se ouviam vozes e gestos. Porque se bebiam palavras e todas as mãos se entretinham. Porque era o tempo do riso e de todos os amigos. Porque era a noite em que ele sentia mais que sangue.

Dia Europeo de la Opera en Pamplona. CORO "PREMIER ENSEMBLE" de AGAO

7.10.10

ESCURO


Grant Wood

Ficar em casa quando tudo parece escuro. As outras casas também são escuras. As ideias escuras que percorrem corredores podem entrar nas portas fechadas. Porque cabem no buraco das fechaduras e não entortam as chaves.

6.10.10

HOMENS E FLORES


Grant Wood

Eu quero uma casa no campo. Quero ver como crescem as flores e como ficam os homens, quando olham para elas.

30.9.10

COM SAL E PIMENTA

Viagens com sal e pimenta. Cinco continentes vividos com energia. Faltam-lhe 15 países para conhecer todo o mundo. Neste momento está no Uganda. Nuno Lobito é fotógrafo. Vale a pena acompanhar a vida de um homem que faz do mundo a sua casa. No Facebook, os vídeos e as fotos. Todos os dias. Parabéns, Nuno.

29.9.10

PASSEIO


Gustave Caillebotte

Quando os cães passeiam os donos, a distracção de uns, permite a diversão de outros.

28.9.10

CIDADE


Gustave Caillebotte

Vamos perceber por que razão a cidade não se organiza.

27.9.10

FORA DA ESSÊNCIA


Tarefas impermanentes. Lugares diferentes. Pessoas que cruzam as ruas cheias de afazeres incompletos.

26.9.10

DESERTO URGENTE

Deserto. Quando os ouvimos queremos ficar no deserto, perto da areia e do vento e do sol e da secura e da vontade de correr. Quando colocamos a mão no botão do televisor e ele se acende. Quando as notícias indiciam desgraça. Deserto. Fechar os olhos e enterrar a cabeça na areia de um deserto urgente. Fingir que nada se passa porque, de facto, nada se passa quando se descobre a impotência. Deserto. O melhor lugar para permanecer. Vamos todos buscar água e dormir em cima do nada.

24.9.10

LONGE DAQUI

Qualquer dia vou-me embora do lugar onde não quero estar. Tenho papéis demais em cima de mim. Começo a pertencer ao grupo dos que fazem tudo com cara feia. Não quero. Qualquer dia passo os pés para o outro lado da estrada e levo o corpo comigo. Porque o dia do caminho está próximo. Acredito.

23.9.10

DEPOIS DA PARAGEM

Depois da paragem o espanto de quem não se riu. A mudança passou ao lado e o corpo ficou na cadeira ao pé da janela. A árvore está na mesma, julga-se. Porque todos os dias a olhamos postos numa permanência irritante.

22.9.10

COISA COMPLICADA

Paragem é coisa complicada. Faz com que fiquemos imunes à mudança, indiferentes ao mundo e quietos demais para podermos existir. Sobrevivemos porque o pão não faltou e porque vestimos a mesma roupa todos os dias.

17.9.10

LÁ VOU EU




Amanhã lá vou eu. Workshop do riso, subida de balão e Vera Mantero à noite. Depois, uns copos e boas conversas no Ponto de Encontro. Melhor programa? Não me parece!

13.9.10

INÍCIO


Artur Bual

De Ano Lectivo, de dias com apitos e escadas e portas e computadores e pessoas e avisos e prazos e papéis e entradas e saídas e cursos e aulas e cartas e justificações e conversas e cafés e copos de água e todo o contentamento necessário a uma urgente sobrevivência profissional.

11.9.10

CRENÇAS GRANDES EM GENTE PEQUENA


Ana Vidigal

Quando eu era pequena acreditava numa certa imortalidade. Porque a percepção do tempo era outra, a ideia da vida era outra, a consciência de mim era outra e tudo ainda estava por descobrir. Quando eu era pequena acreditava. Exactamente porque era pequena.

10.9.10

AVISOS DO CORPO


Quando o corpo dá sinais. Está pesado e anda em cima das pernas direitas e lentas. Quando o corpo nos avisa que existe. Nem sempre é sinal de saúde e isso irrita-me.

6.9.10

1.9.10

REGRESSO


Ana Vidigal

Chegar a casa. A minha casa. Fechada. Quente. Sem a vida de todos os dias. Chegar a casa. A minha casa. Escura. Sem o grito, sem o riso, sem o som. Só o silêncio dos dias que não se viveram aqui, na minha casa fechada, quente e escura. Agora há luz, passos, ruídos e tanto silêncio quanto é preciso para um regresso cheio de esperas.

9.8.10

O COMEDIANTE


Gustav Caillebotte

“Não parece que quanto mais fortes e extenuantes são as vivências interiores de uma pessoa, tanto mais descomprometida ela vive por fora? Não há nada a fazer: temos de viver; e quando te inibes de ser uma pessoa de acção e te recolhes na solidão pacífica, então as vicissitudes da existência assaltam-te por dentro e nelas tens de dar provas, quer sejas um herói ou um tolo.”

Thomas Mann; Tristão e Outros Contos.

8.8.10

SAUDADES DOS TEUS OLHOS

Foste embora mas estás. Sempre. Como quando um mestre, um pai, um amigo, vai dar um passeio longo e espera por nós. Lá, onde descansas com o sorriso e os olhos postos num reencontro contente.

22.7.10

PODEMOS FICAR SEM NADA


Sempre encontrei espanto e surpresa nas mães que não têm vida. Antes de parirem vão ao cinema, compram roupa nova, lêem, visitam exposições, viajam, namoram, combinam noites românticas e perfumam-se para sair. Antes de parirem estão actualizadas, no corpo e no espírito. O mundo não lhes passa ao lado e vivem-no com o sangue todo. Correm atrás do homem que amam, visitam amigos e amigas, vão a festas e dançam em longas noites de prazer. São mulheres completas porque se vêem ao espelho, porque se pintam, porque se amam e porque aprendem e evoluem.


Um dia querem mais, investem em momentos de afectividade profunda. Fazem festinhas na barriga e sonham com o futuro rebento, projectam-se nele. Depois de nove meses de peso e varizes, lá vão elas gritar de dor e de contentamento.


Os “rebentos rebentam” cá para fora e o mundo transforma-se, como se um vulcão arrasasse todas as verdades que antes defendiam com afinco. Deixam de sair, deixam de ir ao cinema, deixam de ler, deixam de namorar e de pôr perfume para uma noite romântica. Pior, deixam de ter assunto que não seja a criança, o leite, as fraldas, a escola, a gripe, a alergia, a febre, a tosse, as perninhas que já gatinham e o sorriso parecido com meia família. Toda uma vida se transfere para o rebento de quatro quilos e sessenta centímetros, todos os assuntos se encerram na pequena e ingénua criatura, todos os anos se ensopam naquela existência pequena.

O tempo passa sem que, interesse para lá dos filhos, absorva espírito ou corpo. Vem a escola, os deveres, as actividades extra-curriculares, os amigos, as festas dos amigos, as mães dos amigos, os vizinhos dos amigos, a roupa, os sapatos, o pôr e o buscar. Toda a vida da criatura já crescida se ensopou na vida da mãe. Deixou de viver porque quis, porque pensou que era assim, porque escolheu diluir-se no filho, porque não correu atrás de si mesma enquanto a mão se mantinha perto do rebento, da criança, do adolescente e do adulto. Transformou a mão em corpo e todo o espírito se foi.

Um dia o filho sai de casa. Fica o vazio que a mãe preparou. Depois a mãe percebe que abdicar de tudo em favor de um outro tudo, faz com que fiquemos sem nada.

20.7.10

TESTE


Vamos lá ver quem consegue ver-se ao espelho. Vamos lá ver quem consegue olhar-se de frente e perceber o que esconde, todos os dias.

19.7.10

SEGREDO


Existe segredo quando existe silêncio. Existe segredo quando uma verdade foi dita dentro de mim e ninguém mais a ouviu.

18.7.10

ESCUTA


A forma como nos encostamos à parede é, também, a forma como nos vemos ao espelho. A forma como colocamos o ouvido à escuta é, também, a forma como queremos ser escutados. Mesmo que o não saibamos.

17.7.10

PERSPECTIVA


Há silêncios bonitos e silêncios feios. Há ausências bonitas e ausências feias. Há amores bonitos e amores feios. Há amizades bonitas e amizades feias. Há relações bonitas e relações feias. Tudo depende do ângulo com que se vêem as coisas e do enquadramento em que se vivem. Tudo depende da posição do corpo e da forma que a alma tem.

15.7.10

INCERTEZA E CLARIVIDÊNCIA


Há uma incerteza constante, um baloiço que faz com que tudo nos pareça árido. É preciso olharmos com atenção para o vento. É preciso verificarmos que, a nossa própria natureza, cria espaços onde surgem oportunidades de transformação. É preciso distinguir, separar, com clareza e distinção. É, em especial nos grandes momentos de transição, que a verdadeira natureza tem a oportunidade de se manifestar. Os períodos de profunda incerteza, ansiedade e inquietação são, também, períodos de mudança, quando os olhamos com clarividência.

14.7.10

"ILUSÃO ÓPTICA DA CONSCIÊNCIA"


Albert Einstein lembrou:

O ser humano é uma parte de um todo a que chamamos “universo”, limitado no tempo e no espaço. Vê-se a si mesmo, aos seus pensamentos e emoções como estando separado do resto, numa espécie de ilusão óptica da consciência. Esta ilusão é um tipo de prisão que nos restringe aos nossos desejos pessoais e que limita o afecto a umas quantas das pessoas que nos rodeiam. A nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos dessa prisão, alargando os nossos círculos de compaixão de modo a abraçarmos todas as criaturas vivas e o conjunto da natureza, com toda a sua beleza.

12.7.10

LIMITE


Há alturas em que paramos. Chegamos ao limite. Depois de vivermos os dias com o sangue todo e percorrermos caminhos nunca pensados. Há alturas em que fechamos os olhos e percebemos que não somos nós. Ou que somos. Respiramos fundo e avançamos, acreditando que caminhos desconhecidos podem ser descobertos. Chegamos a uma espécie de muro alto e firme que olha para nós e diz: senta-te.

As pernas tremem e ficamos a olhar para uma parede que é espelho, que nos acolhe com necessidade e urgência.
A consciência do limite vem depois do excesso, depois do cansaço, depois da dúvida, depois do espanto.

Avançamos enrolados no excesso, no cansaço, na dúvida e no espanto e batemos com a alma contra a parede e o corpo contra a alma, ou ficamos quietos para podermos encontrar a alma dentro de um corpo que quer paz?

Há alturas em que paramos porque se acende o sinal de urgência e de encontro. O caminho espera para ser percorrido mas, só depois de desembrulharmos o excesso, o cansaço, a dúvida e todo o espanto que um espelho pode oferecer.

6.7.10

RECORDAÇÃO DE SI MESMO


Grant Wood


“Além dos meros requisitos de viver e de se reproduzir, o que o homem mais deseja é deixar uma recordação de si mesmo. Talvez uma prova de que na realidade existiu. Deixa essa prova na madeira, na pedra ou nas vidas das outras pessoas. Este desejo profundo existe em toda a gente, desde o rapaz que faz bonecos numa parede até ao buda que grava a sua imagem no espírito de uma raça. Esta vida é tão irreal! Creio que chegamos mesmo a duvidar que existimos e andamos por aí a provar a nós mesmos a nossa existência.”

John Steinbeck; Pastagens do Céu.

5.7.10

FORMATO DO NARIZ


Grant Wood

"Sabia que as pessoas que iam ser os seus novos vizinhos o observavam cuidadosamente, se bem que nunca os tivesse apanhado em flagrante, visto que o costume de observar sem ser observado se encontra largamente desenvolvido entre as pessoas que vivem em meios pequenos. São capazes de ver todas as partes mais recônditas de qualquer pessoa, de tabular e memorizar todas as suas peças de vestuário, de reparar na cor dos olhos e formato do nariz e, finalmente, de ter reduzido a sua figura e personalidade a três ou quatro adjectivos, enquanto o observado pensa que a sua presença passa quase despercebida".

John Steinbeck; Pastagens do Céu.

2.7.10

MULHERES


Grant Wood

Naquele dia, às cinco, as amigas reuniram as ideias todas em casa da mais velha. Perceberam que, acreditar no chá ,é caminho para descobertas.

1.7.10

SILÊNCIO


Grant Wood

"(…) o silêncio e a tranquilidade aterrorizam-nos e protegemo-nos deles com o barulho e com a actividade frenéticas. Olhar para a natureza das nossas mentes é a última coisa que ousaríamos fazer.

Sogyal Rinpoche; O Livro Tibetano da vida e da morte.

30.6.10

VERDADEIRA NATUREZA

Grant Wood

“Estamos tão habituados a olhar para fora de nós mesmos que perdemos quase inteiramente o acesso ao nosso eu interior, o qual nos aterroriza porque a nossa cultura não nos deu qualquer ideia sobre o que iremos encontrar. Podemos até pensar que nos arriscamos à loucura se o fizermos… e este é um dos últimos e mais habilidosos truques do ego para evitar que descubramos a nossa verdadeira natureza.”
Sogyal Rinpoche; O Livro Tibetano da vida e da morte.

26.6.10

ALMA FRIA


- Gosta de gelado?
- Não. Deixa-me a alma fria.
- Como consegue sentir a alma?
- De duas formas: mastigando e ouvindo as suas perguntas.

25.6.10

CONDIÇÕES


- Porque não escreve?
- Não tenho condições.
- Vai encontrá-las?
- Não sei, talvez no dia em que perceber que o tempo se agarra quando o queremos muito.

24.6.10

MARESIA


De frente para o mar, com sal no corpo, sentiu uma presença atrás de si:
- Cheira a maresia.
- O espaço ou o tempo?
- O seu corpo inteiro.
- Gosta?
- Muito.

23.6.10

ATRÁS DA PORTA


Despe o casaco e respira fundo. O silêncio da casa é interrompido pela campainha da
porta. Espreita pelo óculo e vê uma mulher que sorri:
- Luísa?
- Como sabe?
- Pela forma como tocou à campainha.
- Vai abrir a porta?
- Vou. Quando encontrar um motivo.

21.6.10

DOBRAS E GRITOS (40)

Agora a vida altera-se. Porque os dias são mais compridos e as noites são mais claras.

20.6.10

CHEGADA


Chegar a Lisboa ao final da tarde de Domingo é como chegar perto de um copo com água em momento de sede. Esta cidade chama-me. Todos os dias.

COISAS QUE ME INQUIETAM (25)


Viver um domingo ao volante.

19.6.10

PORQUE SIM


Numa noite em que o calor tomava existência no escritório, Luísa encontrou uma alma redonda e clara. Escrevia palavras com jeito.

Os parágrafos sucediam-se com conteúdo e forma. Bonitos. Luísa arrepiava-se, colocava a sensibilidade acima do entendimento e a beleza acontecia.

Depois ficavam as mãos e o grito. A ponte era percorrida.

Hoje, enquanto escreve, pensa num presente bonito. E grita alto aos que a ouvem: as palavras não escritas são, muitas vezes, o desassossego e a respiração que se trava porque sim.

18.6.10

MORREU JOSÉ SARAMAGO

"Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de refexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, nao vamos a parte nenhuma."

Revista do Expresso, Portugal (entrevista), 11 de Outubro de 2008

ASI SE BAILA EL TANGO

16.6.10

A OBRA DO AMIGO


Um dia, com o cigarro aceso e o sorriso aberto disseste-me: "não sejas burguesa". Recordo com saudades as palavras que me ofereceste. Com cigarro e sem cigarro. Porque os amigos ficam, mesmo quando se sabe que estão a criar longe. E muito bem!

15.6.10

AMOR É ESTRADA PLANA


Grant Wood

Porque o amor é aquela coisa bonita que acontece quanto duas pessoas deixam a sua natureza falar. Uma ouve a da outra e responde sim, sem desconforto. Porque o amor é tão plano quanto a estrada que vai para o Alentejo. Desliza-se sem mágoa quando se entende tudo o que se vê na linha do horizonte e quando se sente o corpo cheio de contentamento.

14.6.10

LORD HENRY (1)


Georges Seurat


"- Quando uma velha senhora cora, não é nada bom sinal. Ah, Lord Henry, quem me dera que me dissesse como rejuvenescer.

- Recorda-se de algum pecado terrível que tenha cometido no seu tempo de juventude, Duquesa?
- Receio bem que tenham sido bastantes
- Então volte a cometê-los. Para recuperar a juventude, basta repetirmos as nossas loucuras."

Oscar Wilde; O Retrato de Dorian Gray