31.3.08

GRITO DA SEMANA


(Rothko)

Legislar asneiras. A culpa está no legislador, no governo ou no cidadão que cumpre cegamente as asneiras ditadas em lei?
A mediocridade está a tornar-se insistente, tenho medo que se eternize.

29.3.08

AS MÃOS


(Rothko)

Mãos. As que sentem o calor e a textura. Apertam. Mãos. As que agarram para não deixar cair. Acarinham. As que produzem coisas que embelezam. Trabalham. As mãos são, no corpo, o mesmo que as ideias são na alma.

28.3.08

GAJA


(Rothko)

(...) Ser gaja não é para todas. Só quem passa por testes sucessivos de vida pode merecer um nome macio e sedoso. A gaja é sempre a mulher que está perto, a amiga íntima ou a companheira de viagem. É, também, aquela que confidencia e ouve confidências, a que fala a noite inteira antes do sono anunciado e, sempre adiado. A gaja com quem se vai ao cinema, com quem se divide o gelado, passeia de mão dada na marginal ou com quem se dorme, porque dormir com a gaja é a tradução física de cumplicidades trocadas todos os dias. A gaja está sempre lá, atende o telefone a qualquer hora e ouve palavras sem tempo marcado. É preciso, para ser gaja, estar e ser disponível. Anos a fio de saídas, jantares, segredos, vidas trocadas, lençóis mudados, canções ouvidas, suor dividido, concertos sem hora para acabar. O gajo, o que oferece o nome à gaja, existe desde que ela entrou na escola e dividiu a carteira com ele, a borracha emprestada, o afia lápis no estojo alheio, a aula de Educação Física em que as cavalitas de um são as do outro, os abdominais que se dividem sob o disfarce de esforço solicitado. A gaja e o gajo estão lá, na estrada longa da vida, lado a lado. Às vezes ficam quietos, calados, olham um para o outro como se soubessem tudo. Nada para dizer para além dos olhares quase adivinhados. Eles sabem o que querem, o que pensam, o que não desejam e para onde vão. São os gajos mais porreiros da escola e ninguém os vê separados. As noites de estudo são rotina, o café feito antes do sol nascer, Elis Regina no gravador pequeno trazido de Andorra e muitas palavras escritas nos cadernos da faculdade.Para se ser gaja tem de se ser história na vida do gajo e, só para ele, o nome se aplica. Qualquer “transeunte” que pense apelidar a menina com o exclusivo nome que o gajo lhe ofereceu, pode ser levado tão a peito que, deslize para a mais ténue das indiferenças.

27.3.08

5 - MARK ROTHKO


(Rothko)

Mark Rothko nasceu a 25 de Setembro de 1903, em Dvinsk, Rússia (agora Letónia). No início dos anos 40, trabalhou em estreita colaboração com Gottlieb, desenvolvendo um estilo de pintura com conteúdo mitológico, simples formas planas e imagens inspiradas pela arte primitiva. Entre 1940 e início dos anos 50, assistiu-se ao aparecimento de Rothko em maduro estilo, frontal, luminosos rectângulos parecem pairar sobre a lona superfície. Completou murais para Harvard University, em 1962 e em 1964. Morreu a 25 de Fevereiro de 1970.

O Rothko Chapel, fundada por John e Dominique de Menil, foi consagrada em 1971 como um santuário íntimo disponível para pessoas de todas as crenças. Acolhe milhares de visitantes todos os anos de todas as partes do mundo.

26.3.08

SEM LIMITE


É um Senhor. Simpático. Bem Humorado. Recebe divinamente e tem sempre à mão uma história para contar. Júlio Pomar é, depois dos setenta, o homem que percebe que a vida só chega a um limite se o buscarmos ou o recebermos. Obrigada Júlio.

25.3.08

BLOG TRISTE


(Pomar)

Ouvi dizer que tinha um blog triste, sério, cinzento. Precisava de alegrar as palavras e as ideias. Não sei quem disse. Sei que o farei, no dia em que me apetecer ficar ao longe, a olhar para as ideias que mais ninguém quer, a sentir as imagens que mais ninguém vê e a construir as cores que mais ninguém ouve. Eu já tive um blog popular, visitado por muita gente, pessoas que queriam espreitar emoções vividas ou inventadas. Era o tempo das fotografias de homens bonitos e mulheres elegantes, palavras que me saíam dos dedos porque as vivia ou imaginava. Agora tenho um blog triste. Eu sei. As coisas constroem-se quando fazem sentido. Não sou de ficar no mesmo sítio quando uma espécie de vida já me mandou embora. Aqui espera-me a outra vida, a que depende apenas da minha imaginação.

20.3.08

PÁSCOA FELIZ


(Pomar)

A Páscoa é sempre no primeiro Domingo depois da primeira lua cheia, depois do equinócio da Primavera (20 de Março). Esta data baseia-se no calendário lunar que o povo hebreu usava para identificar a Páscoa judaica, razão pela qual é uma festa móvel no calendário romano. Este ano a Páscoa acontece cedo (23 De Março). Apenas daqui a 220 anos, em 2228, a Páscoa voltará a celebrar-se neste dia.

Voltarei depois do dia da ressurreição, dos ovos de chocolate, das amêndoas e das Boas Festas.

19.3.08

PARABÉNS


Aos pais que amam, sofrem, cuidam, beijam, abraçam, acompanham, alimentam e se entregam. Parabéns!

18.3.08

NÃO VOU


(Pomar)

Não vou. Prefiro ficar quieta. Debaixo da mesa. Estico as pernas e não me mexo. Não vou. Prefiro que o tempo se pendure. Fecho-me no riso que não solto e no silêncio em que me mexo. Não vou. Prefiro que o mundo desabe enquanto reflicto no que não fiz e no que não pensei. Não vou até que chegue o dia em que possa mudar a mesa de sítio e o corpo de condição.

16.3.08

GRITO ANTECIPADO


(Pomar)

O grito antecipou-se. Domingo. Dia das tolices, dos absurdos, do tempo gasto na cama até tarde, do passeio higiénico, das eventuais compras da semana, da família dentro do carro a caminho do almoço em Cascais. Dia que nem é fim nem princípio. Domingo é um dia abominável. Acontece tudo menos o que se deseja. Acontece a inércia idiota e tola que, todas as semanas, se repete como se não conseguíssemos fazer de um simples dia, um acontecimento inenarrável. Repetir a mesma tolice Domingo após Domingo é sinal de alguma demência camuflada. Hoje não vou a Cascais nem fico em Lisboa, nem durmo até tarde nem faço compras. Este Domingo passará a ser um Sábado, o dia em que as emoções se levantam cedo.

15.3.08

POUSAR A PASTA


(Pomar)

Quando se pousa a pasta e se olha pela janela, o mundo fica com mais textura. O trabalho espera-nos passados dois dias mas, achamos sempre maneira de pensar o contrário.

13.3.08

ESQUINAS DA VIDA


(Pomar)

Quem, nas esquinas da vida, segue no erro do grito calado, da fala muda, da cama fria, do prato vazio. Quem, nas esquinas do dia, segue na ausência de gente, de beijo, de abraço, de sorriso e de pranto, pode, quem sabe, dobrar qualquer rua íngreme, fria, triste, escorregadia, que lhe surja no espaço e no tempo sempre adiados.

12.3.08

A NÓS



Espreguicemo-nos no manto da acalmia e da solidão encontrada a custo. Fiquemos fechados sobre as ideias que são nossas. Porque, aos outros, devemos o bom senso. A nós, devemos tudo, até a quietude ociosa que pouco produz.

10.3.08

GRITO DA SEMANA


(Pomar)

Porque hoje é segunda feira, a semana começa com um grito. A beleza que nos causa o prazer que os sentidos agarram com força não é a perfeição, essa, sabemos que não existe. É a beleza que agarramos nos instantes em que, paralisados, olhamos, ouvimos ou estamos. Como se não fosse possível a mobilidade perante o indizível. A beleza não se verbaliza porque se desfaz a seguir. Dizer os prazeres belos é, normalmente, cair no desprazer inquieto das palavras evitáveis.

7.3.08

MANCHA?


(Pomar)

Se quisermos vemos mancha, se não, vemos a força que se move em direcção a um objectivo. Escuro. Poderoso. Permanente. Se quisermos vemos preto, se não, vemos o salto de alguém que procura verdades que lhe fogem, como se fosse possível agarrá-las com a força de alguma eternidade.

6.3.08

4 - JÚLIO POMAR




Nasceu em 1926, em Lisboa, e instalou-se em Paris em 1963. Actualmente vive e trabalha em Paris e Lisboa. Dedicou-se especialmente à pintura, mas o seu trabalho inclui também obras de desenho, gravura, escultura, ilustração, cerâmica, tapeçaria e cenografia para teatro. Realizou obras de decoração mural em azulejo para a Estação Alto dos Moinhos do Metropolitano de Lisboa, (1983-84).
A Fundação Gulbenkian organizou em 1978 a primeira retrospectiva da sua obra, que foi exibida em Lisboa, Porto e Bruxelas. Em 1986, uma nova exposição retrospectiva foi apresentada pela Fundação Gulbenkian em museus de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília e também na sua sede, em Lisboa.
Publicou, em 2002, o volume de ensaios «Então e a Pintura?» e em 2003, o poema «TRATAdoDITOeFeito».
Em 2004, o CCB expôs uma antologia de obras recentes intitulada «Comédia Humana».

4.3.08

PROTECÇÃO DE ECRÃ


(Miró)

Proteger o monitor do seu computador com esta imagem, é o mesmo que olhar para a manhã, todos os dias, com a sensação de que a tarde não chegará.

DOBRAS E GRITOS(13)

Manhã. Poderoso período do dia. Deveria ser dedicado à contemplação do que existe. Dentro e fora de nós.

3.3.08

GRITO DA SEMANA


(Miró)

Deveria ser interdita a entrada no bosque a quem não soubesse inalar, de olhos fechados, todos os odores que acompanham os sons e as cores.

1.3.08

A ESTRANHEZA DO SILÊNCIO


O espaço era pequeno e despojado de coisas. Sentei-me. Eram poucos bancos, espalhados ao acaso. As paredes estavam nuas. Não existiam sons e havia poucas cores. Fechei os olhos. Alguma coisa transcendente ao tempo e ao espaço invadiu o momento. Senti tudo de muito perto. Quieta. As pessoas tinham ido embora. O espaço parecia agarrar-me com força, não permitia o movimento do olhar, nem do pensamento. Sabia que o tempo passava à minha volta. Não ousei mexer os braços nem as pernas. Continuei de olhos fechados. Alguém me tocou no braço devagar:
- Desculpe, não pode estar aqui, estão a chegar os convidados.
- Que convidados? – Questionei.
- As pessoas que chegam todos os dias à mesma hora para festejar.
- Festejar?
- Sim, juntam-se para conversar e beber. Reúnem-se de porta fechada, a festa é privada. Gente exigente, não há permissão para deixar ficar estranhos.
- Não entendi.
- Não precisa de entender, só de sair.
Pensei que podia não estar no lugar certo. Saí devagar e andei pela rua, sem destino. Abri os braços ao rio e gritei, gritei muito. Depois daquela pausa no tempo, percebi que a festa privada não era, de facto, minha. A estranheza do silêncio não cabia naquele tempo de pessoas, nem no espaço inteiro da minha ausência.