30.4.08

COISAS QUE ME INQUIETAM (1)

Ando com uma dúvida há dias. Não me sai da cabeça a necessidade de entender se o amor é um sentimento ou uma capacidade.
Quem me manda ver filmes inquietantes?

OBJECTOS QUE OLHAM


(Paula Rego)

Na sala onde nos sentamos para ouvir sentimentos, há objectos que olham, como se quisessem dizer-nos que a verdade continua adiada.

28.4.08

GRITO DA SEMANA


(Paula Rego)

O tempo que gastas com nada é o tempo em que não és, não pensas, não sentes, não existes. O tempo que gastas com nada é o que dedicas a tudo o que não interessa, não compensa, não satisfaz, onde tudo se desfaz em minutos vadios e estúpidos. Quando encontras a consciência de que gastaste o tempo com nada, resta a lamúria, porque bocados de vida foram para o lixo. Depois, pensas que, um dia, recuperarás essa espécie de perda. É mentira. Destruiu-se, de vez, o tempo que escolheste gastar com coisa nenhuma.

24.4.08

DOBRAS E GRITOS (19)


(Paula Rego)

Fim de semana com três dias. Ir para longe. Horas vazias de rotina. Mar à vista. Música escolhida com os copos cheios de sentido.

ROUPA VELHA


(Paula Rego)

Vestir roupa velha nos finais de tarde que convidam a permanecer em casa, é como degustar um prato suculento em horas de apetite desmedido. A experiência de ficar despojada de tudo o que não tem aspereza, finura nova, textura hirta, é comparável à sensação de nudez do mundo.
Fecha-se a porta ao mesmo tempo que se desnudam pés, se solta o cabelo e se abre o chuveiro de água tépida. Resta a fruição, o gosto, o prazer completo.
A música ao fundo do corredor acompanha os passos molhados num soalho vadio, gasto e escuro. Escolhe-se, sem cuidado, a roupa que é eleição de horas vazias. O corpo aconchega-se ao cheiro dos dias que passaram pela vida de uma blusa que não tem preço. Braços escorregam pelas mangas de algodão e, por segundos, sente-se a história de uma peça quase inútil.
Distribuir passos pela casa com trapos velhos, é ter na alma o corpo inteiro, decidir num instante prolongado aquilo que não é mais do que silêncio. Roupa velha. Roupa triste e gasta, feia, descolorada e comprometida com quem a acolhe.
Quando os finais dos dias convidam a permanecer dentro de um mundo cheio de eus, a roupa que outrora serviu para mostrar o corpo cheio de outros é, agora, o trapo que diz as ideias bem dispostas de quem já saiu de cena, viveu infernos de frio e quente, ouviu palavras desajustadas e voltou à jazida do que é quieto.
Cai a noite. Voltam os pés ao soalho gasto e antigo. Abre-se a porta e o sono. É hora de deixar cair a roupa. Perto do chão existe o lugar onde o corpo se deita para, em algumas horas, deixar de estar presente no lugar dos sonhos.

22.4.08

DIAS CONTENTES


(Paula Rego)

Depois de terem passado as horas em que o mar se agitou, sentou-se. Estavam muitas pessoas. A mulher permaneceu entre o copo e o silêncio. Sentaram-se no chão, ao seu lado. O livro era-lhe familiar. Os olhos cruzaram o clima seco dos cigarros e do contentamento:
- Porque escreves?
Ficou quieta. Quando as perguntas são novas, as respostas não acontecem.

21.4.08

GRITO DA SEMANA


(Paula Rego)

Hoje não me apetece mais que isto: dizer a toda a gente que, nem sempre consigo escrever coisas, bonitas ou outras. Fica o registo inquieto da mulher cansada das palavras que não deu. Grito mais alto que Thoreau na sua cabana do bosque. Que me oiça quem quiser saber quase nada.

18.4.08

TEXTURAS


(Paula Rego)

Somos todos farrapos de uma textura tão uniforme e diversa que cada peça, a cada momento, esvoaça como muito bem lhe apraz. E existem tantas diferenças entre nós e nós próprios como entre nós e os outros.

(Michel De Montaigne)

DOBRAS E GRITOS (18)

Com a chuva anunciada para o fim de semana, talvez seja melhor ficar perto dos livros que ainda não li.

17.4.08

NORMAIS ESCRAVOS


(Paula Rego)

Normal: o que é regular, frequente, aquilo que se considera prática da maioria dos seres humanos. Passa a ser normal o português cuspir para o chão quando, grande parte das pessoas o fazem. Se a maioria dos cidadãos decide calar-se face a uma fila de três horas na repartição de finanças, a normalidade assume dimensões desastrosas. Quando consideramos normal o filho responder de forma agressiva ao pai, o pai bater no filho, ou um idoso ser abandonado por não haver tempo para lhe oferecer, a sociedade adoeceu, sem remissão. Proporções assustadoras e, de alguma forma pornográficas, são as que permitem assumir a normalidade como aquilo que a maioria faz regularmente e, por isso, tem unânime aceitação. Se alguém esbarra na infeliz ideia de sair do trilho a ponto de reflectir sobre o comportamento impensado da maioria, será esse o anormal que ousa questionar aquilo que é engolido sem interrogações. Podemos correr riscos quando ousarmos manifestar desagrado frente ao que defende a imbecilidade de uma normalidade de plástico. Cuidado. Não ousemos ousar, nem pensar, nem perguntar coisa alguma que se defenda como instituída, sem mais. Fiquemos quietos quando nos apetece gritar de indignação, beijar com paixão, correr com energia, abraçar com força ou pôr em causa a normalidade que nos é ensinada por baixo do pano estragado de um bom-senso emprestado. Sejamos pacíficos, iguais a todos os outros. Estejamos quietos para que as represálias não aconteçam, para que o chefe não se zangue nem o pudor se manche.
Aristóteles defendia que todas as pessoas se devem esforçar por seguir o que está certo e não o que está estabelecido. Sabemos que, nos nossos dias, o que está estabelecido é, curiosamente, o que está certo.

16.4.08

PARA DENTRO


Sai de si e escorrega. O corpo em transe por segundos lentos. Há, entre o chão e o sofá já gasto dos gritos, a vida que procura. Fecha os olhos e as entranhas a tudo o que não é mundo e vai, para dentro. Agarra a força todos os dias. É mulher. No sofá onde desliza e se contenta, sabe que é o que o corpo sente, quando as ideias param por momentos.

15.4.08

SOMOS MUITOS


(Paula Rego)

Cada um de nós é vários, é muitos, é uma prolixidade de si mesmos. Por isso aquele que despreza o ambiente não é o mesmo que dele se alegra ou padece. Na vasta colónia do nosso ser há gente de muitas espécies, pensando e sentindo diferentemente.

(Fernando Pessoa; Livro do Desassossego)

14.4.08

GRITO DA SEMANA


(Paula Rego)

Jean Paul Sartre. A existência precede qualquer tentativa de definição do eu. A existência que é, antes de qualquer explicação, o que me define, o que me proporciona ser. Desenho a minha vida, faço o meu retrato, construo-me enquanto existo, defino-me enquanto ajo. Não pode haver quietude. A única coisa que permite ao homem viver é o acto.

12.4.08

6 - PAULA REGO




Paula Figueiroa Rego nasceu em 1935 em Lisboa. Partiu em 1954 para frequentar a Slade School of Art em Londres. Casada com um inglês permaneceu em Inglaterra, onde fixou residência, desde 1976. As suas raízes trazem-na regularmente a Portugal onde exibe com frequência. Com um nome reconhecido em todo o mundo, é colocada entre os quatro melhores pintores vivos em Inglaterra.

11.4.08

VIAGENS DIONISÍACAS



Mark Rothko sai Da Dobra Do Grito. Bebeu em Baco a inspiração e encontrou-a em cada obra com a mesma facilidade que se encontra a alma, em viagens Dionisíacas.

10.4.08

DOBRAS E GRITOS (17)


(Rui Pelejão escreve sobre o futuro da velhice)

"UMA SEGUNDA JUVENTUDE"


(Rothko)

Aos 70 anos, 10 anos decorridos desde o seu último filme, Francis Ford Coppola, volta com uma odisseia espiritual retomando grandes temas filosóficos. Inspira-se na escrita de Mircea Eliade e sobra a reflexão sobre o tempo, a memória, a identidade e o conceito da vida como sonho.

A presença está marcada, em breve.

9.4.08

SEXO NOS LIVROS DO VATICANO


(Rothko)

Li aqui que a biblioteca do Vaticano é, no mundo, a que mais livros tem sobre sexo.
O pensamento voou para corredores escuros, portas escondidas, batinas fantasiosas, proibidas trocas, secretos ensaios, tímidas luzes.
O meu pensamento nem sempre é prescritível, peço desculpa.

8.4.08

DOBRAS E GRITOS (16)

É a sensação de escrever para ninguém. Se, por um lado, fica o desprendimento cheio de tudo, por outro, o nada resta.

7.4.08

VERMELHO E ENCARNADO


(Rothko)

Sempre que o vermelho impera na pintura, na literatura, na vida, fico com a sensação de que alguma coisa boa sugere. Coisa quente, intensa e, ao mesmo tempo, terna e ténue. Já com o encarnado não tenho essa intuição, parece-me sempre que alguma tourada está prestes a acontecer.

4.4.08

PROCURA DE INQUIETUDE


(Rothko)

Avizinha-se fim de semana tranquilo. Quando a pintura desencadeia inquietude, sento-me num lugar onde possa vivê-la de perto.

3.4.08

APETITES


(Rothko)

Hoje apetece-me dizer não. Às vezes preciso de sentir o poder da negação.

2.4.08

FUGA



Quando o azul desaparece do céu inventado por mim, recebem palmas as gaivotas da praia deserta. Quando a areia molhada recebe pés que passam sob o azul do céu que eu invento, o dia começa no voo das gaivotas molhadas e nos passos de quem foge de si.

1.4.08

DOBRAS E GRITOS (15)

Parece que Moisés ouvia vozes...

O COLECCIONADOR DE SONS


(Rothko)

Um ídolo nunca ganha esta condição por si mesmo, mas pela adoração dos que o rodeiam. É a idolatria que faz o deus. Mas como pode haver adoração se o fetiche se ausenta do seu pedestal? Conheci mais o meu pai pelas conversas ouvidas à mesa e os quadros que as suas cartas descreviam que pelas horas que ele passou ao meu lado. Com efeito neste preciso momento deve estar a gastar os olhos em cima de um andaime, sob a luz ténue de alguma abóbada, a trabalhar num retábulo de igreja (...), ou sobre a tela de um dos retratos que os nobres ainda lhe encomendam. Foi talvez por isto que nunca quis ser pintor; tudo o que se interpõe entre um homem e os seus afectos causa grande aversão! (...) A negação dos sentimentos é uma garantia de sossego, mas é também o recurso dos cobardes.

Fernando Trías de Bes; O coleccionador de Sons (Porto Editora)