22.7.10

PODEMOS FICAR SEM NADA


Sempre encontrei espanto e surpresa nas mães que não têm vida. Antes de parirem vão ao cinema, compram roupa nova, lêem, visitam exposições, viajam, namoram, combinam noites românticas e perfumam-se para sair. Antes de parirem estão actualizadas, no corpo e no espírito. O mundo não lhes passa ao lado e vivem-no com o sangue todo. Correm atrás do homem que amam, visitam amigos e amigas, vão a festas e dançam em longas noites de prazer. São mulheres completas porque se vêem ao espelho, porque se pintam, porque se amam e porque aprendem e evoluem.


Um dia querem mais, investem em momentos de afectividade profunda. Fazem festinhas na barriga e sonham com o futuro rebento, projectam-se nele. Depois de nove meses de peso e varizes, lá vão elas gritar de dor e de contentamento.


Os “rebentos rebentam” cá para fora e o mundo transforma-se, como se um vulcão arrasasse todas as verdades que antes defendiam com afinco. Deixam de sair, deixam de ir ao cinema, deixam de ler, deixam de namorar e de pôr perfume para uma noite romântica. Pior, deixam de ter assunto que não seja a criança, o leite, as fraldas, a escola, a gripe, a alergia, a febre, a tosse, as perninhas que já gatinham e o sorriso parecido com meia família. Toda uma vida se transfere para o rebento de quatro quilos e sessenta centímetros, todos os assuntos se encerram na pequena e ingénua criatura, todos os anos se ensopam naquela existência pequena.

O tempo passa sem que, interesse para lá dos filhos, absorva espírito ou corpo. Vem a escola, os deveres, as actividades extra-curriculares, os amigos, as festas dos amigos, as mães dos amigos, os vizinhos dos amigos, a roupa, os sapatos, o pôr e o buscar. Toda a vida da criatura já crescida se ensopou na vida da mãe. Deixou de viver porque quis, porque pensou que era assim, porque escolheu diluir-se no filho, porque não correu atrás de si mesma enquanto a mão se mantinha perto do rebento, da criança, do adolescente e do adulto. Transformou a mão em corpo e todo o espírito se foi.

Um dia o filho sai de casa. Fica o vazio que a mãe preparou. Depois a mãe percebe que abdicar de tudo em favor de um outro tudo, faz com que fiquemos sem nada.

20.7.10

TESTE


Vamos lá ver quem consegue ver-se ao espelho. Vamos lá ver quem consegue olhar-se de frente e perceber o que esconde, todos os dias.

19.7.10

SEGREDO


Existe segredo quando existe silêncio. Existe segredo quando uma verdade foi dita dentro de mim e ninguém mais a ouviu.

18.7.10

ESCUTA


A forma como nos encostamos à parede é, também, a forma como nos vemos ao espelho. A forma como colocamos o ouvido à escuta é, também, a forma como queremos ser escutados. Mesmo que o não saibamos.

17.7.10

PERSPECTIVA


Há silêncios bonitos e silêncios feios. Há ausências bonitas e ausências feias. Há amores bonitos e amores feios. Há amizades bonitas e amizades feias. Há relações bonitas e relações feias. Tudo depende do ângulo com que se vêem as coisas e do enquadramento em que se vivem. Tudo depende da posição do corpo e da forma que a alma tem.

15.7.10

INCERTEZA E CLARIVIDÊNCIA


Há uma incerteza constante, um baloiço que faz com que tudo nos pareça árido. É preciso olharmos com atenção para o vento. É preciso verificarmos que, a nossa própria natureza, cria espaços onde surgem oportunidades de transformação. É preciso distinguir, separar, com clareza e distinção. É, em especial nos grandes momentos de transição, que a verdadeira natureza tem a oportunidade de se manifestar. Os períodos de profunda incerteza, ansiedade e inquietação são, também, períodos de mudança, quando os olhamos com clarividência.

14.7.10

"ILUSÃO ÓPTICA DA CONSCIÊNCIA"


Albert Einstein lembrou:

O ser humano é uma parte de um todo a que chamamos “universo”, limitado no tempo e no espaço. Vê-se a si mesmo, aos seus pensamentos e emoções como estando separado do resto, numa espécie de ilusão óptica da consciência. Esta ilusão é um tipo de prisão que nos restringe aos nossos desejos pessoais e que limita o afecto a umas quantas das pessoas que nos rodeiam. A nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos dessa prisão, alargando os nossos círculos de compaixão de modo a abraçarmos todas as criaturas vivas e o conjunto da natureza, com toda a sua beleza.

12.7.10

LIMITE


Há alturas em que paramos. Chegamos ao limite. Depois de vivermos os dias com o sangue todo e percorrermos caminhos nunca pensados. Há alturas em que fechamos os olhos e percebemos que não somos nós. Ou que somos. Respiramos fundo e avançamos, acreditando que caminhos desconhecidos podem ser descobertos. Chegamos a uma espécie de muro alto e firme que olha para nós e diz: senta-te.

As pernas tremem e ficamos a olhar para uma parede que é espelho, que nos acolhe com necessidade e urgência.
A consciência do limite vem depois do excesso, depois do cansaço, depois da dúvida, depois do espanto.

Avançamos enrolados no excesso, no cansaço, na dúvida e no espanto e batemos com a alma contra a parede e o corpo contra a alma, ou ficamos quietos para podermos encontrar a alma dentro de um corpo que quer paz?

Há alturas em que paramos porque se acende o sinal de urgência e de encontro. O caminho espera para ser percorrido mas, só depois de desembrulharmos o excesso, o cansaço, a dúvida e todo o espanto que um espelho pode oferecer.

6.7.10

RECORDAÇÃO DE SI MESMO


Grant Wood


“Além dos meros requisitos de viver e de se reproduzir, o que o homem mais deseja é deixar uma recordação de si mesmo. Talvez uma prova de que na realidade existiu. Deixa essa prova na madeira, na pedra ou nas vidas das outras pessoas. Este desejo profundo existe em toda a gente, desde o rapaz que faz bonecos numa parede até ao buda que grava a sua imagem no espírito de uma raça. Esta vida é tão irreal! Creio que chegamos mesmo a duvidar que existimos e andamos por aí a provar a nós mesmos a nossa existência.”

John Steinbeck; Pastagens do Céu.

5.7.10

FORMATO DO NARIZ


Grant Wood

"Sabia que as pessoas que iam ser os seus novos vizinhos o observavam cuidadosamente, se bem que nunca os tivesse apanhado em flagrante, visto que o costume de observar sem ser observado se encontra largamente desenvolvido entre as pessoas que vivem em meios pequenos. São capazes de ver todas as partes mais recônditas de qualquer pessoa, de tabular e memorizar todas as suas peças de vestuário, de reparar na cor dos olhos e formato do nariz e, finalmente, de ter reduzido a sua figura e personalidade a três ou quatro adjectivos, enquanto o observado pensa que a sua presença passa quase despercebida".

John Steinbeck; Pastagens do Céu.

2.7.10

MULHERES


Grant Wood

Naquele dia, às cinco, as amigas reuniram as ideias todas em casa da mais velha. Perceberam que, acreditar no chá ,é caminho para descobertas.

1.7.10

SILÊNCIO


Grant Wood

"(…) o silêncio e a tranquilidade aterrorizam-nos e protegemo-nos deles com o barulho e com a actividade frenéticas. Olhar para a natureza das nossas mentes é a última coisa que ousaríamos fazer.

Sogyal Rinpoche; O Livro Tibetano da vida e da morte.