7.6.09

CUSPIR A MORTE


Chirico

Os que têm olhos postos no nada e percorrem ruas de uma cidade pouco vivida. Os que vivem como se o amanhã não fosse e o ontem não tivesse existido. Não te deixes ir com eles, não adormeças no formigueiro dos que se entregam à vida gelatinosa que subsiste nas veias cansadas dos que morrem a caminho, dos que não respiram a literatura, não ouvem a música e pensam em si como coisa feita.
Não te deixes morrer à espera do fim, da noite sem conteúdo ou do dia sem tempero. Grita. Esfrega a alma nas costas. Levanta-te. Carrega a abundância das perguntas, dos relatos, das palavras e dos bolos cheios de recheio de chocolate negro.
Não te deixes ir com eles, não cales, não adormeças na matéria, não te afogues em mentiras. Olha, deita a língua para fora, troça do imbecil que quer ser imbecil, ri-te do tolo que quer ser tolo, ignora o estúpido que faz gala em ser estúpido. Caminha com as costas direitas.
Não te deixes morrer no tédio. Não te afundes. Faz dos braços instrumentos de boa empreitada.
Quando cuspires a morte que te persegue e o pó que te invade, perceberás a urgência do grito e do espanto.
Os que têm olhos postos no nada e percorrem ruas de uma cidade pouco vivida, os que estão como se o amanhã não fosse, os que morrem vivos, os que comem pão endurecido pela raiva, os que mastigam palavras usadas, os que se curvam ao vulgar dos gestos, os que vomitam tristezas, os que correm atrás de tudo o que se não pensa, os que não riem de nada, os que se gabam da desgraça, os que fazem pouca ginástica, os que pouco querem, os que pouco são, os que pouco pensam, os que pouco pensam. A todos desejo o que se não vê, por impedimento ou distracção.

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