31.1.10

A MOEDA DA AVÓ EMILIA




A minha avó dava-me, todos os domingos, uma moeda. Ainda hoje tenho a mania de encher porquinhos com moedas. Aos domingos e nos dias que me parecem domingos.

30.1.10

PROUST NO SOFÁ CÁ DE CASA



"O amor é uma doença incurável". "No amor há sofrimento permanente". "Aqueles que amam e aqueles que são felizes não são as mesmas pessoas". O pessimismo romântico de Proust baseou-se, pelo menos em parte, na combinação de uma necessidade intensa de amor e uma falta de jeito tragicómica ao tentar obtê-lo. (Pag.72)

COISAS QUE ME INQUIETAM (20)


Saí agora da sala 3 do King. Lars Von Trier, Antichrist. Podia ter passado o tempo num musical, a bater o pezinho e a abanar a cabeça. Podia ter ido ver o Clooney, depois à festa do Lux e tal e coisa e noite e copos e diversão.
Fiquei ali parada, no medo, no desespero, na angústia, na raiva, no ódio e no poder.
Tão soberbo quanto hediondo. Vou precisar de químicos para dormir esta noite.

29.1.10

OA CACIFOS DAS PESSOAS


Paul Klee

Os cacifos das pessoas ilustram o que são as pessoas. Quadradinhos pequenos em sala de professores. Chaves na mão e, aberta a porta, um mundo de papel, comida, cigarros, pastas, água, bolachas e outras ferramentas necessárias à sobrevivência.
Os cacifos das pessoas ilustram o que são as pessoas: desarrumadas, metódicas, egoístas, disponíveis, descontraídas, complicadas, mentirosas, irritantes ou amorosas.
Um estudo sobre a forma como as pessoas arrumam os cacifos, ou não, poderia ser objecto de investigação psicanalítica.

28.1.10

NO MEU TEMPO


Pieter Brueghel

No “meu tempo” havia respeito, as pessoas tinham palavra e não era necessário recorrer a tribunais para provar o dito ou o feito. No “meu tempo” as palavras tinham peso e, atitudes demonstravam carácter e bom senso. No “meu tempo” as coisas eram diferentes, os filhos respeitavam os pais, os velhos eram protegidos, as crianças aprendiam e os governantes tinham princípios. Era o “meu tempo”; a altura em que me sentia jovem, tinha poucos anos e muita energia. Talvez por isso diga que era o “meu tempo”, porque ainda não percebi que o tempo presente é o único que interessa.

O “meu tempo” é o que hoje vivo, onde me situo e ajo, onde posso mexer nas coisas. O tempo de todos os dias é meu porque o ocupo e transformo, a não ser que persista na ideia morta de que o tempo que foi “meu” já não existe. Então, o que é o tempo que vivo agora? O dos outros?

27.1.10

ENCONTRO


Cecile Veilhan

Havia outras duas amigas. Ficaram longe muitos meses. Tinha, o marido de uma delas, viajado para longínquo continente. De regresso, percebeu que tinha afectos adiados. O encontro marcado fez entender a ambas que não há substitutos, quando a permanência do sentir é uma realidade.

26.1.10

"AMIGAS"


Cecile Veilhan

As duas amigas tinham, entre si, o valor do afecto. Um dia, uma delas encontrou um namorado estrangeiro. Fascinada, não voltou a falar de afectos. Fugiu para perto de um amor substituto.

25.1.10

DOBRAS E GRITOS (39)

Vampiros a toda a hora. Na TV, no Cinema e na Literatura. Anda tudo farto da realidade? Sublimação de desejos inconscientes?
Mas que mania é esta agora?

23.1.10

PAI


Vieira da Silva

Quando eu era pequena, o meu pai colocava o tabuleiro em cima da mesa da sala e mandava-me sentar à sua frente. Impunha as regras do jogo e as outras. O meu pai nunca fez batota, nem no jogo nem nos afectos. Por isso é que eu ainda jogo com ele às duas coisas.
Feliz Aniversário, Pai.

22.1.10

CANSAÇO (1)


Cecile Veilhan

- Agora entendo melhor.
- O quê?
- Aquilo que dizes quando ficas calada.

21.1.10

CANSAÇO



Cecile Veilhan

- Porque te queixas?
- Porque é verdade que não me ajudam. Esquecem-se de mim e julgam-me escrava.
- Que já fizeste para mudar a situação?
- Estou farta de reclamar, amiga.
- Esse é o problema. Age calada em vez de usares as palavras para ficares quieta.

18.1.10

IRA


Paul Klee

No âmago de cada frustração, encontramos sempre uma estrutura básica: o choque de um desejo com uma realidade inflexível.

Séneca conhecia um homem rico, Védio Pólio, um amigo do imperador Augusto, que tinha um escravo que numa festa deixou cair um tabuleiro com taças de cristal. Védio detestava o som do vidro a partir-se e ficou tão furioso que ordenou que o escravo fosse atirado a um tanque de lampreias.
Védio Pólio estava furioso por uma razão identificável: porque acreditava num mundo em que os copos não se partem nas festas.

Gritamos quando não conseguimos encontrar o comando da televisão, por causa de uma crença implícita num mundo em que os comandos não se perdem.

A reconciliação com as inevitáveis imperfeições da existência é um caminho.

17.1.10

A MORTE QUE TODOS PROCURAM


Entre o estar e o ser. No acto profundo de um momento solitário. Quando, em êxtase, o grito encontra o silêncio e o corpo acontece. Nada na alma subsiste. Cigarro.

16.1.10

PERGUNTA CORRECTA


Helen Frankenthaler

A pergunta correcta é a condição necessária para uma resposta aceitável. Uma pergunta bem feita desempenha o seu papel e, às vezes, nem precisa de resposta.
“Duas mãos que batem uma na outra produzem um barulho. Qual o barulho de uma só mão?”.

15.1.10

ARTE E ÉTICA


Helen Frankenthaler

"A arte é ética na medida em que desperta. Mas o que sucede quando actua em sentido contrário? "

Thomas Mann; A Montanha Mágica

14.1.10

HUMANIDADE


Helen Frankenthaler

"Explico-lhe resumidamente. A Liga para a organização do progresso, partindo da teoria evolucionista de Darwin, desenvolveu a tese filosófica de que a vocação mais natural e intrínseca da humanidade, se traduz no seu próprio aperfeiçoamento"

Thomas Mann; A Montanha Mágica

12.1.10

MEU OBJECTO (1)


Há também os que têm de ser nossos por causa de pessoas que, com amor, encontram forma bonita de nos dizer muitas coisas.

11.1.10

MEU OBJECTO


Escolhi-o há muito.Numa sala cheia de quadros e a vontade de trazer um para casa. Morte. Talvez mulheres que morrem. Pessoas em diálogo. Corpos em movimento. Troncos de árvores que existiram.
Vejo-o todos os dias, do lugar onde me sento. Olho-o e descubro-o. Há objectos criados só para nossa pertença.

9.1.10

VOU


Vou enfiar-me dentro de um caixote com rodas e tampa. de um caixote com rodas e t

8.1.10

OS ESTÚPIDOS


A ignorância dos que nada vêem. Para além da cadeira onde se sentam e do bife que comem, só existe entendimento para a visão, sempre nítida, do óbvio. Resta a soberba que advém dos muitos vazios por preencher.

7.1.10

OS ARROGANTES


A arrogância dos lúcidos solitários, dos que não vão no rebanho porque não querem. Simples. Não querem. Serão estranhos ao lugar comum que ocupam os estúpidos. Depois, a recusa da burrice, é tida como vaidade.

6.1.10

OS QUE SOBEM

Quem percorre caminhos de entendimento e sensibilidade, encontra na vida a parede a que se encosta. Quem pega no corpo para gritar e fazer das pernas, instrumento de corrida, acaba no mundo da incompreensão. Fugir à ignorância é perigoso. Fica-se lúcido até ao lugar da solidão. Depois riem, riem muito porque a estupidez não chega para alcançar os caminhos da clarividência.

5.1.10

SOZINHOS


Os que, com a verdade vivem, restam sós. Ninguém a quer. Foge-se das coisas difíceis porque não se cresceu ao ponto de entender que são elas as que importam.

4.1.10

O INCÓMODO DA VERDADE


Aquilo que deveria ser entendido como prioridade é posto de lado, como sarna nojenta a que alguns se apegam para incomodar outros. A verdade, a estúpida verdade que afronta os incompetentes, os mentirosos, os hipócritas e os cobardes.
Dias cheios de verdade na garganta. Olhar de soslaio para quem a diz. As palavras servem para dizer, para pôr na mesa o que acontece, para mexer nos dias dos que fazem pouco mais que fingir. Andamos todos a fingir. Fingimos que somos felizes, fingimos que temos dinheiro, fingimos que a paz é real e fingimos que trabalhamos. Curioso: todos sabemos dos fingimentos uns dos outros e todos continuamos debaixo da mesa, à procura da verdade que não dizemos.E quando a hora chega, quando a garganta traz para fora a verdade que se esconde, todos olham para quem a diz, como se a pecar estivesse. Cambada.

3.1.10

NÃO QUERO TER TEMPO


Aos que reclamam o tempo que escolhem não ter. Amigos longe porque o tempo não chega para o abraço. Família a correr porque o tempo não dá para jantar. Colegas em intervalos, divididos entre o café, o cigarro e o xixi rápido antes de entrar em sala. Alunos a correr porque o tempo é curto para explicar com calma a matéria da semana passada.
O tempo… a merda do tempo que escolho não ter, que prefiro encurtar em caminhos para lugar nenhum.
Quando me sento para parar? Quando entenderei a não existência de um contínuo movimento da consciência que não aquieta?
Quando for velha saberei integrar que o tempo é, por demais, pequeno. Depois será tarde. É mentira que não tenho tempo. A verdade, a minha verdade, é que não quero tê-lo!

2.1.10

EM CASA


Hoje fico em casa.Estou numa espécie de paragem.
As coisas clarificam-se.
Os dias vão distinguindo o que é e o que não é.
Salto para domínios desconhecidos.
Ficar quieta e perceber que a transformação vem.
Não vou interpretar os silêncios.
A vida está aí para se viver.
Sou desconexa, principalmente antes do banho da manhã.