24.7.08

FÉRIAS SEM DOBRAS NEM GRITOS


(Picasso)

Mala de viagem é importante. Pequena. Colorida. Completa. Empurram-na os ávidos arbítrios de quem parte. Até ao destino, tudo o que não encerra liberdade, esvai-se. É urgente limpar a existência, olhar para o outro mundo e materializar as fantasias, agora possíveis.
Os passos lentos carregam ávidos arbítrios, mãos prudentes, corpo despido, vestidos brancos e tempo em liberdade. Agora o lugar para onde tudo corre é, também, o tempo dos destinos indiferentes.
Deixo a certeza de que voltarei.

23.7.08

Guernica 3D

DIA PEQUENO


(Picasso)

Num dia pequeno, a rua era estreita e sombria. A terra, sem sorrisos. Saiu de casa e desceu a calçada íngreme até ao centro da vila. Comprou pão, fruta e flores. Cansada do peso que carregava, voltou com passos lentos. Dois dias depois, pariu. Nasceu uma mulher. Hoje, as horas certas e as ruas estreitas são, ainda, objecto de culto para quem, num dia pequeno, gritou pela primeira vez.

22.7.08

NO FIM


(Picasso)

No dia da minha morte, ficam as flores, as árvores e o mar. No dia em que me for embora, não se altera, por isso, nenhum estado de existência. O mundo permanecerá em movimento.

21.7.08

PALAVRAS


(Picasso)

As palavras estão gastas, velhas, sujas e cansadas. Procuradas, lidas, pensadas e postas em fila. As palavras não são precisas, pequenos ensaios de nada que completam dias iguais. As palavras estão fora de mim quando as leio, quando não as oiço em silêncio. Não sou eu que escrevo as palavras gastas, velhas, sujas e cansadas. São apertos de peito que expulsam as letras e os sons. E assim me sento a olhar para elas.

18.7.08

DOBRAS E GRITOS (23)


Vou-me embora no dia em que perceber que a rua onde vivo é estreita demais para mim.

17.7.08

12 - PABLO PICASSO




Pablo Ruiz Picasso nasceu em Málaga a 25 de Outubro de 1881.
Foi, reconhecidamente, um dos mestres da Arte do século XX. É considerado um dos artistas mais famosos e versáteis de todo o mundo, tendo criado milhares de trabalhos: pinturas, esculturas e cerâmica. Conhecido como co-fundador do Cubismo, diz-se que levou toda a sua vida a saber pintar como uma criança.
Morreu a 8 de Abril de 1973.

16.7.08

COISAS QUE ME INQUIETAM (5)

Perante o avesso da vida, há quem reclame sem buscar alternativas.
Os que não podem beber vinho e não procuram água para saciar a sede, morrerão clamando da má sorte.

14.7.08

VESTIDO


(Frida Kahlo)

Sempre. Em dias de muito calor. Recusava o vestido fresco. Hoje, em cima de uma contente nudez, um vestido de fino tecido. Há sempre, nos dias de muito calor, instantes de longa entrega.

11.7.08

BANHO DE COISAS NOVAS


(Frida Kahlo)

Vou ficar nua, descalçar-me, andar em areias grossas, massajar os pés, o corpo, a alma, as ideias e as dúvidas. Vou ficar nua, despentear-me até ao osso do crânio, rebolar em mim e dizer ao mundo que preciso de um banho de coisas novas.

10.7.08

IRRITANTEMENTE SIMPLES


(Frida Kahlo)

Tem por hábito viver sem artifícios. Ao corpo dedica algum tempo. Nunca se esquece dos brincos em casa. No colo, não coloca mais do que um fio preto. Não tem nos braços, doirados estridentes, não usa nos olhos, brilho de espécie alguma.
Irritantemente simples é expressão oferecida por uma amiga para definir o seu despojamento. Paciência para roupa escolhida em horas de loja não há. Tempo no cabeleireiro não desperdiça. Rejeita horas de deleite ocioso em centros comerciais. Restam-lhe os prazeres do feminino resguardado na intimidade do ginásio ou no gabinete onde escolhe a cor das unhas todas as semanas.
São poucas as decisões de critério complicado. Em dias ou noites excepcionais, é tempo de energia em movimento, de cores nos olhos e de batom a condizer. Nas horas comuns da existência ela é, de facto, irritantemente simples.
É irritante a simplicidade quando esbarra na rasteira vulgaridade de um corpo sem alma ou desta sem conteúdo. Pode ser árido o dia e escura a noite quando o vestido e os sapatos não combinam, quando a carteira gasta pelos instantes parece ter sido usada por uma tia longínqua, quando as palavras não jogam dentro de uma qualquer frase dita em esplanada de bairro.
Não prova, através de um corpo muito enfeitado, o conforto dos membros descomprometidos, o contentamento de um cabelo sem tinta e a alegria dos ténis em noite de calor.
Nos momentos que vive sem tinta, desfruta o maior prazer porque são instantes vividos de forma irritantemente simples.

9.7.08

COISAS DIFÍCEIS


Quando as férias se aproximam, fico com tamanha preguiça para escrever que parece, serem os dedos, cachos de bananas verdes. Tenho por hábito forçar o exercício físico e mental e tentar que o congelamento não se dê.

8.7.08

PURIFICAÇÃO


(Frida Kahlo)

Deixem o sangue correr. Às vezes é ele o veículo da purificação.

5.7.08

CLAREZA



A dona deste blog retira-se por dois dias, como vem sendo hábito em fins de semana transparentes.

4.7.08

PARAGEM


(Frida Kahlo)

Saí incomodada com a paragem. Detive-me tempo demais a olhar para o quadro. Queria encontrar palavras que o dissessem e não consegui.

3.7.08

MAIS QUE MULHER


Pouco conhecia da sua vida quando, em Lisboa, olhei os quadros e as emoções. Mantive-me ao nível da ignorância. Não é possível dizer de um quadro aquilo que, em essência, manifesta.
No caso de Frida e perante o olhar de quem não viveu como ela, não sentiu e não amou como se, da carne, o sangue jorrasse, fiquei quieta e inquieta. No primeiro caso, porque a sensação nascia de uma alma branda, no segundo, porque de um corpo, horrores se recordavam.
Do sofrimento nascem as mais estrondosas obras.

2.7.08

SLAVOJ ZIZEK

11 - FRIDA KAHLO



Natural de Coyoacán no México, onde nasceu no ano de 1907, Frida Kahlo cresceu no seio de uma família de misturada ascendência. O pai era um judeu de origem alemã, a mãe de origem espanhola e índia. Decidida a estudar medicina, a jovem Frida sofre um grave acidente que a obriga a permanecer deitada durante um ano, deixando-lhe irreversíveis sequelas. É durante os períodos de imobilidade que começa a pintar, optando por retratar o seu próprio quebrado e doente corpo. Aos 21 anos conhece Diego Rivera, com quem casa em 1929. Para além da impressionante obra que deixou, sendo hoje famosos os seus auto-retratos e gosto pelas fortes cores da vida e da morte, a artista mexicana deixou um valioso testemunho escrito.

Morreu em 1954, vítima de embolia pulmonar. No seu diário a última frase: "Espero alegremente a saída - e espero nunca mais voltar - Frida".

1.7.08

COISAS QUE ME INQUIETAM (4)


Mulheres independentes, modernas e emancipadas assustam grande parte da população masculina. Não entendo a razão pela qual o susto acontece face àquilo que teoricamente se defende.