25.11.12

Molhar vontades

Vou-me embora não querendo, vou sair podendo ficar quieta, vou correr podendo sentar-me, vou dizer podendo calar-me, vou, depois de tudo o que me prende e me desfaz. Vou-me embora com a chuva que teima em molhar vontades.

20.11.12

Majestosa Refeição

Leszek Sokol
















É sempre difícil perceber o que se não quer, porque a vontade comanda o entendimento e pode dar cabo dele. O entendimento é aquela gaveta que abrimos quando a vontade vai buscar a chave à forma curiosa de sentar para digerir. Depois juntam-se em refeição majestosa.


18.11.12

A jeito

Voar alto é sempre uma possibilidade, se conseguirmos colocar a alma a jeito de alguns encantos.

17.11.12

O mesmo elevador de ontem

Esteve parado no 14º andar, à espera que os desejos se transformassem. A vontade acompanhou a manhã e a chuva por cima dos corpos despertos e cansados. O rio estava no mesmo lugar, como tudo o que se mantém, quando o tempo não altera os passos nem pousa em cima dos pés.

16.11.12

O elevador

O elevador subia mais devagar que a vontade. Quando parava no andar já a vontade tinha subido ao 14º. O elevador era lento, transportava pessoas que não ouviam desejos, por isso interrompia viagens aos que levavam casacos sem botões para apertar.

13.11.12

Equilíbrio

Depois do segundo lance de escadas, escorregou mas não caiu. Agarrou-se ao equilíbrio que lhe vinha da vontade. Olhou para cima e agradeceu não ter desistido de si e dos desejos que vinham do querer muito.

12.11.12

Agora

Agora o frio e a dor de nada produzir. Agora o sol por trás dos olhos que não querem ver. Agora o vento que vem do lado esquerdo da inércia. Agora tudo o que se recusa por não haver mais esperança que o presente.

10.11.12

No meio da mudez

A noite fria e o calor de quem a conversou. Aquecer almas com as mãos trémulas à porta de um prédio cheio de madeira é coisa encantadora. Depois da vela se apagar, acendeu-se o riso e os lençóis ficaram longe. Porque o frio de algumas noites acontece longe de camas quentes, permanece até as mãos se transformarem em corpo e almas rebolarem em encantos. Com esta menina que canta no meio das palavras e da mudez.

6.11.12

Fim do monólogo de um homem pouco acompanhado

As mulheres são bichos bonitos e quando se vão embora ficam ainda mais bonitos. Ser mulher sozinha é ser pessoa livre e isso faz muito mal à minha autoestima. A minha mulher tinha nas mãos o abandono e nas pernas a vida toda. Enquanto falava, usava a mão esquerda, a mão direita servia para guardar o barulho do telemóvel e o silêncio das chaves de casa. Era uma mulher contente porque pensava que podia engolir o tempo. Percebeu que o tempo nos engole, que as mãos agarram quando querem, e que as pernas levam a vontade muito longe. Tenho saudades dela.

5.11.12

Monólogo de um homem pouco acompanhado

Em breve telefono-lhe para que perceba que as coisas não podem ficar assim. Tem a mania que, agora que está como os pássaros, manda na vida… não manda nem mandará. Eu aqui sozinho, cheio de dores e não me dá possibilidade de falar? Devia pegar no telefone e dizer-lhe o que merece ouvir, o problema é que ela pega sempre no telefone com a mão esquerda e isso dificulta-me o raciocínio. Podia dizer-lhe, por exemplo: “muda lá a mão com que pegas no telefone que me estás a irritar. És tão esquerda nas atitudes como na forma como me ouves. Não sabes que estou doente? Enquanto estivemos juntos, entupias-me de benurons quando eu caía na cama, tinhas preocupações com os meus pelos púbicos e tratavas-me como uma criança. Agora que tens a mania que estás sozinha e que és solteira, armas-te em boa.”
Já sei que a conversa pararia em menos de cinco minutos. Desde que me vim embora que tudo me acontece, é o corpo em desassossego, é a vontade que não funciona, é a porta que não se abre… e tudo por causa desta ausência. Com tanta liberdade ainda quero ver como vou tomar conta de mim.