30.6.10

VERDADEIRA NATUREZA

Grant Wood

“Estamos tão habituados a olhar para fora de nós mesmos que perdemos quase inteiramente o acesso ao nosso eu interior, o qual nos aterroriza porque a nossa cultura não nos deu qualquer ideia sobre o que iremos encontrar. Podemos até pensar que nos arriscamos à loucura se o fizermos… e este é um dos últimos e mais habilidosos truques do ego para evitar que descubramos a nossa verdadeira natureza.”
Sogyal Rinpoche; O Livro Tibetano da vida e da morte.

26.6.10

ALMA FRIA


- Gosta de gelado?
- Não. Deixa-me a alma fria.
- Como consegue sentir a alma?
- De duas formas: mastigando e ouvindo as suas perguntas.

25.6.10

CONDIÇÕES


- Porque não escreve?
- Não tenho condições.
- Vai encontrá-las?
- Não sei, talvez no dia em que perceber que o tempo se agarra quando o queremos muito.

24.6.10

MARESIA


De frente para o mar, com sal no corpo, sentiu uma presença atrás de si:
- Cheira a maresia.
- O espaço ou o tempo?
- O seu corpo inteiro.
- Gosta?
- Muito.

23.6.10

ATRÁS DA PORTA


Despe o casaco e respira fundo. O silêncio da casa é interrompido pela campainha da
porta. Espreita pelo óculo e vê uma mulher que sorri:
- Luísa?
- Como sabe?
- Pela forma como tocou à campainha.
- Vai abrir a porta?
- Vou. Quando encontrar um motivo.

21.6.10

DOBRAS E GRITOS (40)

Agora a vida altera-se. Porque os dias são mais compridos e as noites são mais claras.

20.6.10

CHEGADA


Chegar a Lisboa ao final da tarde de Domingo é como chegar perto de um copo com água em momento de sede. Esta cidade chama-me. Todos os dias.

COISAS QUE ME INQUIETAM (25)


Viver um domingo ao volante.

19.6.10

PORQUE SIM


Numa noite em que o calor tomava existência no escritório, Luísa encontrou uma alma redonda e clara. Escrevia palavras com jeito.

Os parágrafos sucediam-se com conteúdo e forma. Bonitos. Luísa arrepiava-se, colocava a sensibilidade acima do entendimento e a beleza acontecia.

Depois ficavam as mãos e o grito. A ponte era percorrida.

Hoje, enquanto escreve, pensa num presente bonito. E grita alto aos que a ouvem: as palavras não escritas são, muitas vezes, o desassossego e a respiração que se trava porque sim.

18.6.10

MORREU JOSÉ SARAMAGO

"Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de refexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, nao vamos a parte nenhuma."

Revista do Expresso, Portugal (entrevista), 11 de Outubro de 2008

ASI SE BAILA EL TANGO

16.6.10

A OBRA DO AMIGO


Um dia, com o cigarro aceso e o sorriso aberto disseste-me: "não sejas burguesa". Recordo com saudades as palavras que me ofereceste. Com cigarro e sem cigarro. Porque os amigos ficam, mesmo quando se sabe que estão a criar longe. E muito bem!

15.6.10

AMOR É ESTRADA PLANA


Grant Wood

Porque o amor é aquela coisa bonita que acontece quanto duas pessoas deixam a sua natureza falar. Uma ouve a da outra e responde sim, sem desconforto. Porque o amor é tão plano quanto a estrada que vai para o Alentejo. Desliza-se sem mágoa quando se entende tudo o que se vê na linha do horizonte e quando se sente o corpo cheio de contentamento.

14.6.10

LORD HENRY (1)


Georges Seurat


"- Quando uma velha senhora cora, não é nada bom sinal. Ah, Lord Henry, quem me dera que me dissesse como rejuvenescer.

- Recorda-se de algum pecado terrível que tenha cometido no seu tempo de juventude, Duquesa?
- Receio bem que tenham sido bastantes
- Então volte a cometê-los. Para recuperar a juventude, basta repetirmos as nossas loucuras."

Oscar Wilde; O Retrato de Dorian Gray

12.6.10

SIMPLE THINGS


Paul Klee

Quando encerramos o computador percebemos que há mundo para lá de uma espécie de gesto não encontrado de frente para o monitor.


11.6.10

LORD HENRY


Francis Bacon

"Não existem boas influências, Mr. Gray. Todas as influências são imorais, imorais de um ponto de vista científico.

- Porquê?
- Porque influenciar uma pessoa é dar-lhe a nossa própria alma. O indivíduo deixa de pensar com os seus próprios pensamentos ou de arder com as suas próprias paixões. Os seus pecados, se é que existe tal coisa, são tomados de empréstimo. Torna-se o eco de uma música alheia, o actor de um papel que não foi escrito para ele. O objectivo da vida é o desenvolvimento próprio, a total percepção da própria natureza, é para isso que cada um de nós vem ao mundo."

Oscar Wilde; O retrato de Dorian Gray

GARDEN


Talvez Luísa se sente num banco de jardim em Lisboa. Talvez encare a hipótese de uma palavra nos olhos de quem não vê. João não sabe se gosta de jardins, mas entende-a.

9.6.10

DIA SEGUINTE


Quando, no dia seguinte, ambos percebem que amar é deixar ser, desapegam-se de si e do outro. Porque o corpo impermanente e constante, mostra, num espaço acompanhado de tempo, o pouco e o muito.

8.6.10

MELODIAS E PALAVRAS


Às vezes, o dia tem chuva. Quando o calor faz as noites secas, depois da chuva ir embora, respira-se tudo de uma vez, para não perdermos nem as palavras nem as melodias.

7.6.10

SEM ROSTO


"Por vezes à noite há um rosto/ Que nos olha de um fundo de um espelho/ E a arte deve ser como esse espelho/ Que nos mostra o nosso próprio rosto."
Jorge Luís Borges

6.6.10

Luz Casal Piensa En mi Tacones Lejanos

O DIA ANTERIOR


Wild Horses
Luísa não descansou. Sentou-se na cadeira baixa de madeira e pediu ao universo alguma espécie de desapego. Era dia de muita ternura e sorriu. Percebeu que amor e beleza são a mesma coisa. João tinha-lhe dito no dia anterior.

João descansou. Percebeu que alguma coisa se podia tornar numa espécie de desafio caloroso que ele ia manter porque sim. João era concentrado. Atento. Depois de escrever um e-mail, encostava-se na cadeira e olhava para o tecto atrás de si, pensando: Onde é que esta mulher estava em 1984 e que sonho tinha em 76?

2.6.10

DÁDIVAS


(Foto Gerard Castello Lopes)

O problema não está no que os outros não nos dão mas no que esperamos que nos ofereçam.

1.6.10

TOLOS


(Foto Gerard Castello Lopes)

O problema, quando existe, está na nossa forma de ver o mundo. Quando o mundo nos empurra para a mediocridade: ou vivemos sozinhos fora dela, ou vivemos acompanhados por ela ou rimos de tudo e de todos, até doer a barriga. Depois, somos tolos mas contentes.