31.3.10

PERTO DA HISTÓRIA


A rua só existe porque eu a vejo. As casinhas estão desenhadas porque as percebo. A menina no banco do jardim não tem olhos para me ver e alguém está sentado a tocar perto da árvore. Não me apetece falar do anjo que corre para fora do desenho.
O chão é aos quadrados porque, os quadrados no chão são sinal de imaginação simétrica. Um dia vou contar a história toda. Agora está perto. Depois de uma curta viagem debaixo do braço.

30.3.10

Antonio Banderas - Take the Lead - Tango scene

LEIS DE UM GOVERNO MODERNO


Paul Klee

1. Vais ter relações sexuais? O governo dá-te preservativos!
2. Já tiveste? O governo dá-te a pílula do dia seguinte!
3. Engravidaste? O governo dá-te o aborto!
4. Tiveste filho? O governo dá-te o Abono Família!
5. Estás desempregado? O governo dá-te o Subsídio de Desemprego!
6. És drogado? O governo dá-te seringas!
7. Não gostas de trabalhar? O governo dá-te o Rendimento Mínimo
8. Foste preso e agora puseram-te cá fora? O governo dá-te o subsídio de Reinserção Social.
Agora experimenta... ESTUDAR; TRABALHAR; PRODUZIR e ANDAR NA LINHA, e verás o que é que te acontece!
VAIS GANHAR UMA "BOLSA" DE IMPOSTOS NUNCA VISTA EM QUALQUER OUTRO LUGAR DO MUNDO!!!

(Autor desconhecido)

29.3.10

EXCELÊNCIA OU FELICIDADE


"Não tenho filhos e tremo só de pensar. Os exemplos que vejo em volta não aconselham temeridades. Hordas de amigos constituem as respectivas proles e, apesar da benesse, não levam vidas descansadas. Pelo contrário: estão invariavelmente mergulhados numa angústia e numa ansiedade de contornos particularmente patológicos. Percebo porquê. Há cem ou duzentos anos, a vida dependia do berço, da posição social e da fortuna familiar. Hoje, não. A criança nasce, não numa família mas numa pista de atletismo, com as barreiras da praxe: jardim-escola aos três, natação aos quatro, lições de piano aos cinco, escola aos seis, e um exército de professores, explicadores, educadores e psicólogos, como se a criança fosse um potro de competição.

Eis a ideologia criminosa que se instalou definitivamente nas sociedades modernas: a vida não é para ser vivida - mas construída com sucessos pessoais e profissionais, uns atrás dos outros, em progressão geométrica para o infinito. É preciso o emprego de sonho, a casa de sonho, o maridinho de sonho, os amigos de sonho, as férias de sonho, os restaurantes de sonho.

Não admira que, até 2020, um terço da população mundial esteja a mamar forte no Prozac. É a velha história da cenoura e do burro: quanto mais temos, mais queremos. Quanto mais queremos, mais desesperamos. A meritocracia gera uma insatisfação insaciável que acabará por arrasar o mais leve traço de humanidade. O que não deixa de ser uma lástima.

Se as pessoas voltassem a ler os clássicos, sobretudo Montaigne, saberiam que "o fim último da vida não é a excelência, mas sim a felicidade!"

Texto de João Pereira Coutinho

27.3.10

PERDÃO


Francis Bacon

"Perdoa sempre os teus inimigos. Nada os deixa mais contrariados."

Oscar Wilde

26.3.10

PORTA FECHADA


Os outros surpreendem quem espera. Colocamos os pés e os braços à disposição e recebemos pontapés duros, vindos dos que não provam o sabor das coisas boas. Porque acham que o mundo os empurra para o abismo, empurram-nos para o escuro, julgando poder encerrar a porta com força. Mentira. A porta só se encerra quando as nossas mãos a empurram. Porque as mãos dos que cerram os dentes não são as nossas.

24.3.10

ALGUÉM


Francis Bacon

"Se há coisa no mundo mais aborrecida do que ser alguém de quem se fala é, sem dúvida, ser-se alguém de quem não se fala."

Oscar Wilde

23.3.10

ACTOS


Vitor Pinhão

“E tudo, enquanto dura, traz consigo o castigo da sua forma, o castigo de ser assim e de não poder ser de outro modo (…). E o que se passa com as formas passa-se com os actos. Quando um acto é praticado não se muda mais. Quando uma pessoa, de uma maneira ou de outra, agiu, o que fez, fica, mesmo que depois não se sinta nem se reconheça nos actos praticados: é como uma prisão.”

Luigi Pirandello

22.3.10

FORMAS


Juarez Machado

“Julga que se conhece, se não se construir de algum modo? E julga que eu posso conhecê-lo, se não o construir à minha maneira? E julga que me pode conhecer, se não me construir à sua maneira? Só podemos conhecer aquilo a que conseguimos dar forma. Mas que conhecimento pode ser esse? Não será essa forma a própria coisa? Sim, tanto para mim como para si; mas não da mesma maneira para mim e para si: isso é tão verdade que eu não me reconheço na forma que você me dá, nem você se reconhece na forma que eu lhe dou, e a mesma coisa não é igual para todos e mesmo para cada um de nós pode mudar constantemente e, de facto, muda constantemente.

E, contudo, não há outra realidade fora desta, a não ser na forma momentânea que conseguimos dar a nós mesmos, aos outros e às coisas. A realidade que eu tenho para si está na forma que você me dá; mas a realidade para si não é para mim. E, para mim mesmo, eu não tenho outra realidade senão na forma que consigo dar a mim próprio. Como? Construindo-me, precisamente.”

Luigi Pirandello

21.3.10

PARA QUEM AMA

Eu sei que vou te amar/Soneto de Fidelidade

O TEU ESPAÇO NO MEU ESPAÇO


Lembro o jantar, a mesa e o vinho tinto. Lembro o salmão fumado e as velas do Natal. Lembro a vista da janela e a contemplação de um quadro que me fazia parar para olhar. Agora é meu. Tenho um pouco do teu espaço no meu espaço.

20.3.10

APRENDI


Aprendi que os problemas dos outros não são os meus problemas. Aprendi que a vida dos outros não é a minha vida. Aprendi que o corpo dos outros não é o meu corpo. Aprendi que os pensamentos dos outros não são os meus pensamentos. Aprendi que a consciência dos outros não é a minha consciência. Aprendi que os filhos dos outros não são os meus filhos. Aprendi que o amor dos outros não é o amor que eu sinto. Os que por mim passam sem que o rasto permaneça, são outros que não eu. Esses outros, não podem mexer no que sou.
Há outros. Os que ficam. Os que fazem de mim o que vou sendo.

19.3.10

PORQUE SIM



Era teu. Isso é motivo para estar aqui, num blogue que visitavas porque sim.

18.3.10

ATRÁS DA PORTA


Quando a porta se fechava, o quadro estava lá, em cima de uma cómoda antiga com muitas coisas vividas. Um dia disse-me:
- É isto que vejo do palco. Gostas?

16.3.10

A DANÇA



Só dança quem tem pés e pernas e braços e contentamento. Só dança quem voa mais alto que os pássaros. Só dança quem usa as palavras para agir. Só dança quem pede ao espírito que acompanhe os pés e as pernas e os braços e o contentamento. Os outros, os que não tiram os pés do chão, ficam parados no espaço e no tempo que nunca construíram. Porque nunca quiseram dançar.

15.3.10

BRUTA


Chegou a casa com vontade de abrir o dicionário de sinónimos que, em tempos, lhe ensinaram ser útil para construir textos. Tinham usado a palavra bruta. Sentou-se no jantar do bacalhau, do queijo, do tomate cherry, da mousse de limão e do creme de chocolate branco. Sabia que a palavra era dura, negra, fria.

Abriu o dicionário na página da letra B e confirmou: animal, besta, fera. Respirou. Sabia que as palavras são objectos inanimados que tomam forma quando as usamos. Nada de grave. Em frente às azeitonas pretas que comeu sem parar estava a forma viva de todas as letras que se disseram sem dicionário, as mais puras e as mais limpas. Nem bruta, nem animal, nem besta nem fera. Aquilo que o ser lhe dizia fazer sentido. Apenas.

14.3.10

DEPOIS DA BONECA


Colocou o cinzeiro no lugar. A cinza do dia anterior espalhou-se em cima da mesa. O vidro ficou cinzento e Luísa rangeu os dentes de raiva. Limpou tudo e percebeu que era a boneca de ontem que devia estar ali, não fosse a imaginação ter feito das suas.

13.3.10

A BONECA

Ao sábado ficava em casa. Tinha que limpar o pó e aspirar o chão da sala. A boneca que estava em cima da mesa era sempre objecto de contemplação. Parava os olhos em cima dela e dizia: és a minha princesa.
Um dia, quando a agarrou para lhe tirar o pó, ficou com as mãos vazias. A princesa tinha sido produto de uma imaginação tranquila. Depois da limpeza percebeu que há objectos que se criam a partir dos momentos felizes.

12.3.10

FDS



Usamos consoantes alinhadas para poupar tempo de escrita. A partir de todas elas, podemos construir as nossas histórias. Como consta na abreviatura de Fim-de-Semana ou Foi-dar-Salsichas ou Flor-do-Silêncio ou Fim-do-Susto. O que se queira.

11.3.10

FADIGA


Max Weber

Foi lavar os dentes, tomou banho, secou o cabelo, colocou creme nas pernas, nos braços, no rosto, pôs desodorizante, vestiu-se, tomou o pequeno-almoço, pegou no carro, ouviu as notícias da manhã, correu para a primeira aula, escreveu o sumário, ouviu os colegas, os alunos, os funcionários, almoçou, bebeu café, voltou à sala, preparou dossiers.

Foi à casa de banho, fez xixi, lavou as mãos, subiu a escada, desceu a escada, voltou ao piso da informática, colocou o Power Point, falou de religião, fez a chamada, fechou a porta, escreveu no quadro e apagou tudo a seguir. Pegou no carro, chegou a casa, despiu a roupa, fez o jantar, viu o blogue, leu, conversou, viu as notícias, comeu, lavou os pratos, tomou banho, lavou os dentes, colocou creme nas pernas e nos braços. Depois descansou.

10.3.10

FRENTE AO MURO


Juarez Machado

"Os homens para comunicar uns com os outros, usam normalmente a palavra, mas as palavras nunca poderão exprimir a verdade pura. Temos de ir mais além, de transcender o dualismo palavra - realidade. Assim, temos de usar as palavras sem nos tornarmos escravos delas. Porque por mais elevadas que sejam, as palavras são apenas símbolos, descrições e nunca coisa em si. Para atingir a coisa em si, as palavras - esses ruídos da mente -devem morrer. E quando elas morrem surge o silêncio."

Jorge Bustamante; Frente ao Muro.

NOVO ROMANCE




Um abraço ao querido amigo Eça pela publicação do seu primeiro romance. A certeza de um excelente livro que, em breve, a Guerra e Paz, apresentará aos leitores.

9.3.10

PSEUDO-VIDA


Juarez Machado

“Se olharmos bem para as nossas vidas, acabaremos por ver com clareza quantas tarefas – sem qualquer importância e a que chamamos ‘responsabilidades’ – se acumulam até não haver espaço para mais nada. Um mestre compara-as a ‘obrigações domésticas num sonho’. Dizemos a nós mesmos que queremos dedicar algum tempo às coisas importantes da vida… mas nunca há oportunidade para isso.

Temos muito que fazer, mesmo quando nos levantamos, logo de manhã: abrir a janela, fazer a cama, tomar banho, lavar os dentes, dar de comer ao cão ou ao gato, lavar a loiça da noite anterior, descobrir que se acabou o café ou o açúcar, sair para os comprar, preparar o pequeno almoço… A lista é infindável. Depois temos que separar as roupas, escolhê-las, passá-las a ferro e dobrá-las. E os cabelos, e a maquilhagem?

Impotentes, vemos os nossos dias preenchidos em conversas telefónicas e projectos fúteis, vemos tantas ‘responsabilidades’, ou seria melhor chamar-lhes ‘irresponsabilidades?”

Sogyal Rinpoche; O Livro Tibetano da Vida e da Morte.

8.3.10

FICA AQUI


Juarez Machado

Não vás para longe. Fica quieta. Fixa. Imóvel. O pensamento também pára e tu podes descansar. Sozinha. Assim. Pés paralelos no chão. Olhos postos onde puderes. Aguenta o silêncio e respira como se não tivesses pulmões. A água não existe fora de ti e, quando fores buscá-la, limpa todas as lágrimas. Não vás para longe. Fica aqui. Ao pé do que te integra e repara.

5.3.10

O QUE NÃO SE ESQUECE


Cezanne

O que, num tempo, fica dobrado em cima da alma. O corpo usa os sentidos e as memórias servem para entender tudo o que resvala num absoluto momento de satisfação.

2.3.10

OBJECTOS QUE IMPORTAM


Edward Hopper

As mesas são importantes porque é nelas que o nosso corpo se encosta para comer e isso faz com que a morte venha mais tarde. As mesas são objectos de criação porque é em cima delas que se escreve e que se vive. Repare-se num prato de massa fresca em cima de uma mesa de madeira antiga. A massa fica diferente se a colocarmos no mesmo prato em cima de uma mesa de vidro, de mármore ou de verga. O lugar onde se pousa o objecto é tão importante quanto o lugar onde se colocam os pés. São os lugares da nossa história, quer queiramos quer não.

1.3.10

AJUDA


Ajuda-me a olhar, ajuda-me a sentir, ajuda-me a por uma perna em frente da outra para andar, ajuda-me a percorrer o caminho, ajuda-me a pensar. Não consigo continuar a ser. Resta-me a imaginação que foge porque a ajuda não chega a tempo de a prender cá dentro.