30.6.08

LONGE DE MIM


(Souza Cardoso)

Às vezes penso nos amigos que já não vejo há muito tempo, aqueles que desapareceram da minha vida porque sim. Penso nas conversas bonitas, nas noites em Lisboa e em outras paragens, nas compras na Fnac, nas mãos dadas, nas roupas trocadas, nos jantares longos, nas escadas subidas, nas rampas descidas, no som das palavras, no suor dos corpos, nas músicas escolhidas, nas lareiras acesas, nos abraços com lágrimas, nas verdades, nas mentiras, nas cadeiras onde se sentavam, no sofá onde dormiam, nas cartas que escreviam, nos quadros que pintavam, nas comidas ao lume, nas mesas postas em sossego, nos tangos não dançados, nos amores não vividos, nos beijos não dados, nas plantas fora do jardim, nas desavenças, nos gritos, nos telefonemas, nas mensagens, nas ausências, nos silêncios.
Às vezes penso nos amigos que já não estão ao pé de mim, os que foram embora porque sim. Penso nos jacarandás, nos malmequeres, nos chinelos em pés nus, nas túnicas compridas, nas gargalhadas estridentes, nos gelados com amêndoas, no mel com queijo fresco, no carro perto do rio, nas velas acesas, nas cobras dentro de frascos, nos jardins em dias de sol, nas árvores frondosas, nos bancos de madeira e em todos os bancos onde hoje, longe de mim, se sentam com a mesma sensação que eu: a de que o tempo nunca apaga sentimentos feitos de ferro.

1 comentário:

-pirata-vermelho- disse...

Permite que sublinhe a graça, o encanto e a destreza de modos, no primeiro parágrafo?
É notável!

E bonito...

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