Todas as semanas tinha que entregar um texto. Mil e quinhentos caracteres. A sua editora não lhe deixava tempo para o ócio. Encostou-se no sofá, de frente para o quadro das mulheres nuas, enroladas em homens de bonitas formas. Olhava-os como se visse, todos os dias, um episódio diferente. Inventava histórias com os corpos iluminados pelo candeeiro pequeno, propositadamente ali, a oferecer a luz que eles mesmos sentiam.
Fechou os olhos e voltou a pensar no texto que ainda não tinha escrito. A minha editora vai matar-me, não tenho tema. Pensou fumar um cigarro feito com os dedos mas não era o momento. O quadro continuava lá, as pessoas tinham ganho vida. Mexiam-se. Dançavam. Envoltos. Suados. Nus. Riam alto, como se o grito lhes quisesse dizer o êxtase do cheiro que o tempo ia oferecendo.
Inspirou o fumo do cigarro por fumar e fez a história. Inteira. A casa tinha-os acolhido num fim-de-semana em Montmartre. O lugar onde os corpos se encontraram pela primeira vez tinha, nas paredes gastas, quadros de Toulouse-Lautrec. Olharam-se, como se a cor do incenso pudesse testemunhar tudo. Enrolaram a noite e a vida em seda, veludo, vinho e tango. O som era tão nítido quanto o aroma. Para lá dos corpos e dos risos, a sabedoria. Respiraram o viço do que não é corpo enquanto, o próprio corpo, se mantinha aceso.
A noite era pura porque a nudez o permitia, o tango se ensaiava e os tecidos se mexiam. Todos usavam palavras mornas, as que se dizem no meio do clima criado para permanecer. No momento de acabar a história, abriu os olhos devagar e percebeu que o seu quadro coincidia com a sua fantasia. Aquela noite em Paris, tinha permanecido no início de uma manhã cinzenta mas límpida, porque todos os corpos estavam inteiros da sabedoria posta no silêncio, no veludo, na seda, no vinho e no tango.
1 comentário:
Excelente. Adorei o texto.
Bj
Eduardo Aleixo
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