É notória a comiseração oferecida aos meninos que vagueiam entre a família e a escola sem que o rumo para a vida surja como objectivo primeiro. Os meninos, coitadinhos, crescem no seio familiar com a sensação quotidiana de que a excessiva protecção e a permanente oferta de bens materiais de quinta necessidade é, sempre, prioridade dos que os acompanham ao longe.
Os meninos, coitadinhos, não estão habituados a lutar por coisa nenhuma. Não sabem realizar tarefas sem ajuda, não sabem organizar a mochila nem os cadernos, não sabem gerir o horário escolar semanal, não sabem estudar mais do que 5 minutos seguidos, não sabem sentar-se direitos. Coitadinhos dos meninos, não têm culpa. Os pais estão fora o dia inteiro, não podem oferecer-lhes tempo nem paciência. Os que escolheram a carreira antes dos filhos, oferecem-lhes tudo o que lhes permite pensar que o mundo é uma construção tipo lego. Depois, na escola, os meninos, coitadinhos, arregalam os olhos ao professor que lhes exige trabalho e esforço, indignam-se face à exigência que não conhecem, espantam-se perante a “intransigência” de um atraso, reclamam por não poderem infringir regras básicas de comportamento, gritam com quem não permite o uso de telemóvel em locais de trabalho, esperneiam quando repreendidas posturas, consideram inimigo quem lhes diz não.
Os meninos, coitadinhos, não sabem ouvir um não, não têm culpa, nunca o ouviram antes. Percebem, muito tarde, que há pessoas que dizem não e que, mais grave, não voltam atrás na resposta depois de birra afincada. Os meninos, coitadinhos, são vítimas de um sistema incoerente e perverso. No início, quando a infância exige disciplina, não a têm, não aprendem nada sobre regras. A escola chega depois para confundir, contradizer aquilo que antes aprenderam. Não é justo que um monte de desconhecidos os obriguem a ser e estar como nunca lhes tinham ensinado. A incoerência dita, na cabeça dos meninos, alguma revolta, o vazio de referências, a confusão de registos a que não sabem apegar-se.
Antes, na casa aquecida onde a empregada ditava os sabores das refeições escolhidas por capricho, os meninos podiam mandar. Agora, na escola fria onde funcionários e professores ditam leis, os meninos têm que obedecer. É confuso, percebe-se que os meninos, coitadinhos, precisem de apoio psicológico, terapias dirigidas, acompanhamento escolar extraordinário.
Percebe-se que, depois da ausência de tudo, esbarrar num monte de presenças incómodas, possa desencadear, a uma vida desprovida, graves problemas de inadaptação. São meninos, coitadinhos, mereciam o tempo e o conteúdo dos que escolheram ter filhos. Não tiveram nada e agora, os que escolheram ensinar, pagam a factura da comiseração indecente que, aos coitadinhos, é oferecida todos os dias.