30.4.10
GENTE QUE USA O RELÓGIO PARA ENFEITAR O PULSO
- Combinado. Às duas na esplanada.
- Avisa-me quando chegares.
- Para quê?
- Para saber que já lá estás.
- Saberás que cheguei se chegares à hora combinada.
- Mas eu atraso-me sempre um pouco.
- Então diz-me quanto tempo te atrasas e marcaremos outra hora.
- Que disparate.
- Disparate é marcar hora para não se cumprir.
- Não podes ser assim tão radical.
- Eu não sou radical. Sou coerente.
29.4.10
A FILHA DO MEU AMIGO ANTÓNIO
- Pai, quando fechas a porta do frigorífico, a luz apaga-se?
- Apaga, filha.
- Como é que sabes?
28.4.10
PALAVRÕES
27.4.10
LUGAR DO NADA
26.4.10
SEM DESCANSO
Max Weber
- Não tenho medo da morte.
- E da vida?
- Da vida tenho. Todos os dias me confrontam com dilemas que me causam náuseas.
- Náuseas?
- Sim, aquele tipo de enjoo que sentes quando tens de escolher.
- Escolhes e pronto!
- É da escolha que tenho medo, porque é ela que me obriga a viver sem descanso.
- E da vida?
- Da vida tenho. Todos os dias me confrontam com dilemas que me causam náuseas.
- Náuseas?
- Sim, aquele tipo de enjoo que sentes quando tens de escolher.
- Escolhes e pronto!
- É da escolha que tenho medo, porque é ela que me obriga a viver sem descanso.
25.4.10
OUTRO JOGO
O dia em que Portugal saiu à rua para dizer que o jogo tinha acabado. Começava a entender-se que as regras tinham que mudar. O dia em que Portugal sorriu à frente dos tanques do exército vindo de Santarém, era o dia de um começo. Hoje o jogo parece ser outro por causa de uma espécie de máscara que esconde o que continua semelhante ao antigamente.
21.4.10
20.4.10
COISAS QUE ME INQUIETAM (23)
Nada como uma loja de bairro. Pequena, com passeio grande.
Vou a pé, não pago estacionamento, não espero no vestiário, não espero para pagar, não subo nem desço escadas rolantes, não tenho que me vestir e despir para procurar novos números, não percorro metros de corredor para entrar noutra loja, não oiço crianças aos berros, não me desvio de gente que passeia em frente às montras, não gasto tempo e não fico deprimida com a luz artificial.
Mais caro? E quem disse que a qualidade de vida era barata?
19.4.10
COISAS QUE ME INQUIETAM (22)
Perceber que preciso de ir a um Centro Comercial no fim-de-semana é, ao mesmo tempo, perceber que vou ficar deprimida nas próximas horas.
Procurar lugar, estacionar, subir as escadas, procurar a loja, procurar a secção certa, ir para o vestiário, esperar na fila, vestir, número errado. Despir, sair do vestiário, procurar outro número, entrar no vestiário, fila, esperar, entrar, vestir de novo, não fica bem no corpo.
Vestir, voltar a sair, procurar nova loja, descer as escadas, subir as escadas, voltar ao princípio, procurar a caixa. Fila. Esperar, pagar, voltar a descer as escadas, ir para o estacionamento. Máquina de pagamento, fila, nova espera.
Entrar no carro e respirar fundo para não gritar de raiva. Uma tarde perdida e nada acrescentei à minha vida.
Procurar lugar, estacionar, subir as escadas, procurar a loja, procurar a secção certa, ir para o vestiário, esperar na fila, vestir, número errado. Despir, sair do vestiário, procurar outro número, entrar no vestiário, fila, esperar, entrar, vestir de novo, não fica bem no corpo.
Vestir, voltar a sair, procurar nova loja, descer as escadas, subir as escadas, voltar ao princípio, procurar a caixa. Fila. Esperar, pagar, voltar a descer as escadas, ir para o estacionamento. Máquina de pagamento, fila, nova espera.
Entrar no carro e respirar fundo para não gritar de raiva. Uma tarde perdida e nada acrescentei à minha vida.
18.4.10
17.4.10
DE CADA VEZ
Luísa conhece Teresa desde o tempo das fraldas. Cresceram no mesmo infantário e foram para a escola juntas. Luísa é o tipo de mulher que se isola para ler. As coisas têm de ser feitas uma de cada vez, pensa.
Quando se sobem escadas e se percorrem ruas, não há conversa. Conversar enquanto se anda é desperdício de tempo, nem se entende o que se fala, nem se olha para o que passa. Não. Definitivamente, as coisas precisam de separação para que Luísa as mastigue.
O mar está lá para que o sinta de perto, o livro existe para que o agarre com os olhos, as pernas percorrem caminhos para que os entenda. Não pode existir clareza em nenhuma ideia se a misturarmos com o corpo.
Quando se sobem escadas e se percorrem ruas, não há conversa. Conversar enquanto se anda é desperdício de tempo, nem se entende o que se fala, nem se olha para o que passa. Não. Definitivamente, as coisas precisam de separação para que Luísa as mastigue.
O mar está lá para que o sinta de perto, o livro existe para que o agarre com os olhos, as pernas percorrem caminhos para que os entenda. Não pode existir clareza em nenhuma ideia se a misturarmos com o corpo.
16.4.10
AO MESMO TEMPO
Teresa é o tipo de mulher que consegue ver e agir ao mesmo tempo. Olha para o mar e lê um livro. Sabe que o mar está ali e o livro também. Ocupa-se de ambos. Nem um nem outro são objecto de contemplação mas Teresa quer tê-los aos dois, num tempo que faz coincidir com quase nada.
Enquanto lê, olha para as ondas; enquanto olha para as ondas, pensa nas frases lidas. Teresa continua com todas as ideias concretizadas. Acredita que o mundo se conhece assim: entre olhares e afazeres, sem paragem.
Enquanto lê, olha para as ondas; enquanto olha para as ondas, pensa nas frases lidas. Teresa continua com todas as ideias concretizadas. Acredita que o mundo se conhece assim: entre olhares e afazeres, sem paragem.
15.4.10
SUBIR OU DESCER AS ESCADAS
Teresa e Luísa subiram as escadas. A primeira correu depressa para chegar ao último degrau e alcançar o patamar da esplanada. A segunda voltou para trás quando percebeu que, descer, a mantinha mais perto do chão que conhecia. Teresa gritou lá de cima:
- Anda, Luísa, daqui podemos ver o mar.
- Não quero ver o mar, Teresa.
- Porquê?
- Porque fico inquieta quando vejo o mar e não posso entrar nele.
- És tão disparatada, Luísa. Ver também é bom.
- É. Quando não queres agir.
- Anda, Luísa, daqui podemos ver o mar.
- Não quero ver o mar, Teresa.
- Porquê?
- Porque fico inquieta quando vejo o mar e não posso entrar nele.
- És tão disparatada, Luísa. Ver também é bom.
- É. Quando não queres agir.
14.4.10
DESCER DE PÁRA-QUEDAS
Ontem encontrei uma velha amiga na aula de Yoga. Contou-me que, um pára-quedista, estava apaixonado por ela. Ouvi-a com muita atenção e dei-lhe todas as respostas.
A Luísa sempre foi serena. Quando pensou em casar-se com o Pedro, convidou-me para madrinha. Dizia que era original ter uma amiga madrinha. Aceitei porque sabia que ela casaria com o Pedro. Como quando me pediu que a levasse ao aeroporto a meio da noite para esperar a família que vinha de férias. Que gira. Disse-lhe que sim porque sabia que saltaria da cama a meio da noite para qualquer coisa, muito mais para esperar quem vem de viagem.
A Luísa tem ideias, muitas ideias que põe em prática. Imagina que nada se desenrola sem a sua presença e depois inventa que tem de estar lá, para que o mundo aconteça.
O problema da Luísa é esse: estar presente. Um dia descobre que a vida pode acontecer sem ela e sente um alívio, a somar aos que encontra no virar da esquina que dobra serena. A Luísa anda sempre serena porque pensa que é assim que as pessoas vivem felizes.
Corre atrás da realidade e, qualquer dia, é vê-la a descer de pára-quedas, em vez de subir, como as pessoas iguais à Teresa. Não me admirava.
A Luísa sempre foi serena. Quando pensou em casar-se com o Pedro, convidou-me para madrinha. Dizia que era original ter uma amiga madrinha. Aceitei porque sabia que ela casaria com o Pedro. Como quando me pediu que a levasse ao aeroporto a meio da noite para esperar a família que vinha de férias. Que gira. Disse-lhe que sim porque sabia que saltaria da cama a meio da noite para qualquer coisa, muito mais para esperar quem vem de viagem.
A Luísa tem ideias, muitas ideias que põe em prática. Imagina que nada se desenrola sem a sua presença e depois inventa que tem de estar lá, para que o mundo aconteça.
O problema da Luísa é esse: estar presente. Um dia descobre que a vida pode acontecer sem ela e sente um alívio, a somar aos que encontra no virar da esquina que dobra serena. A Luísa anda sempre serena porque pensa que é assim que as pessoas vivem felizes.
Corre atrás da realidade e, qualquer dia, é vê-la a descer de pára-quedas, em vez de subir, como as pessoas iguais à Teresa. Não me admirava.
13.4.10
SUBIR DE PÁRA-QUEDAS
Ontem encontrei uma velha amiga na aula de step. Contou-me que estava apaixonada por um pára-quedista. Ouvi-a com muita atenção e não tive paciência para lhe dar respostas.
A Teresa sempre foi extravagante, até nos namorados. Quando pensou em casar-se com o Paulo, convidou-me para levar as alianças. Dizia que era original ser uma amiga a transportar o objecto. Aceitei porque sabia que ela nunca casaria com o Paulo. Como quando me pediu que a levasse ao aeroporto a meio da noite para esperar a equipa do Benfica que tinha ganho não sei o quê. Maluca. Disse-lhe que sim porque sabia que não saltaria da cama a meio da noite para coisa nenhuma, muito menos para ir ver jogadores cansados dos pés.
A Teresa tem ideias, muitas ideias que não concretiza. Imagina que tudo se desenrola sem a sua presença e depois inventa que tem de estar lá, nos momentos em que o mundo acontece.
O problema da Teresa é esse: concretizar. Arranja muitos namorados e quer ir esperar jogadores. Um dia descobre que a vida não se inventa e tem mais um desgosto, a somar aos que encontra no virar da esquina que dobra a correr.
A Teresa sempre foi extravagante, até nos namorados. Quando pensou em casar-se com o Paulo, convidou-me para levar as alianças. Dizia que era original ser uma amiga a transportar o objecto. Aceitei porque sabia que ela nunca casaria com o Paulo. Como quando me pediu que a levasse ao aeroporto a meio da noite para esperar a equipa do Benfica que tinha ganho não sei o quê. Maluca. Disse-lhe que sim porque sabia que não saltaria da cama a meio da noite para coisa nenhuma, muito menos para ir ver jogadores cansados dos pés.
A Teresa tem ideias, muitas ideias que não concretiza. Imagina que tudo se desenrola sem a sua presença e depois inventa que tem de estar lá, nos momentos em que o mundo acontece.
O problema da Teresa é esse: concretizar. Arranja muitos namorados e quer ir esperar jogadores. Um dia descobre que a vida não se inventa e tem mais um desgosto, a somar aos que encontra no virar da esquina que dobra a correr.
A Teresa anda sempre a correr porque pensa que é assim que as pessoas vivem felizes. Corre atrás dos sonhos que inventa e, qualquer dia, é vê-la a subir de pára-quedas, em vez de descer, como as pessoas normais. Não me admirava.
12.4.10
FATAL IMPERMANÊNCIA
O trabalho permite ao corpo uma impermanência irritante. Tudo se altera, porque o mundo gira depressa. Não gosto de voltar ao trabalho porque não sei dizer ao corpo outra coisa que não seja: fala!
9.4.10
FATAL PERMANÊNCIA
Estar de férias permite ao corpo uma permanência lânguida e fatal. Tudo se mantém, como se o mundo tivesse parado. Não gosto de estar de férias porque não sei dizer ao corpo outra coisa que não seja: cala-te!
8.4.10
7.4.10
6.4.10
5.4.10
3.4.10
2.4.10
POR CAUSA DAS PALAVRAS
Ele é escritor. Ela é aprendiz. Encontraram-se por causa das palavras. Ele escreveu a primeira frase. Ela continuou a ideia. Um dia vão construir uma história. Porque é assim que as coisas boas acontecem. Sem aviso prévio.
1.4.10
SORTE
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