30.1.09

"QUERES COMER ALGUMA COISA?"


 Saíram para ver o filme. Na fila dos bilhetes, alguém perguntava alto:
- Queres comer alguma coisa?
Largaram enorme riso e pouco espanto. Comer no cinema, valha-me Deus:
- A senhora jantou?
Olhos grandes se lhe dirigiram:
- Que tem o senhor a ver com isso?
- Nada, apenas assegurar-me de que está satisfeita.



O riso tornou-se incontrolável. O filme começou entre os cotovelos fixos e os olhos brilhantes e pesados. Brad pitt tinha nascido velho com alma de novo e tinha morrido novo com alma de velho. A vida de trás para a frente, como eles! A senhora que tinha o saco do lidl aos pés estava indignada. O riso incomodou-a até ao fim da história, mais que o saco que chiava a cada movimento.

O amor, outra vez o amor. A idade, outra vez a idade. Desencontros, outra vez desencontros. Morrer bebé, nos braços da amante. Bonito. Ela apreciou a mota de Brad e o penteado de Blanchett, o tom de voz do senhor dos botões e o velho barco que conduzia à morte. O mar era lindo e o ballet também. Lembrou-se do tempo no hospital e da sensação incapacitante de não conseguir andar. Puxou pela cabeça e ainda imaginou um amor sem barreiras, daqueles que não podem existir, de tanta perfeição que encerram. Estendeu as pernas no banco da frente e semicerrou os olhos. Viu o brad bonito, como sempre. A cada cinco minutos ia ficando mais novo, passava da fase do charme para a de imberbe. Só o conseguiu ver em forma, durante quinze minutos.

Ele ficou quieto, com os olhos cheios de curiosidade. Ria quando se lembrava da frase da senhora na fila da bilheteira. Respirava devagar, ao ritmo das sombras que o tempo desnudava na tela, ao sabor das palavras de Blanchett, postas no espaço de um amor datado.

Saíram tarde. A casa aquecida.
- Temo que a noite não chegue para festejar.
- É pena, o relógio mantém as horas direitas.
- Vamos pará-lo?
- Vamos.

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