(Manuela Pinheiro)
A sensação áspera dos pés nus no chão transformava-a numa espécie de selvagem civilizada. Na recepção confirmaram-lhe a visita ao museu:
- Está tudo pronto para a viagem “menina”.
No parque de estacionamento, um carro pequeno com grandes inscrições nas portas: O caminho é seu! Entrou no automóvel e viu um mapa da região com alguns pontos marcados a encarnado, a verde e a amarelo. Não havia nomes para os lugares indicados nem para as estradas a percorrer. O senhor de casaco branco sorriu e fechou-lhe a porta, de novo com deferência – Boa viagem, o caminho é seu!
Saiu devagar da propriedade que envolvia o hotel, muitos pássaros a acompanharam até ao portão que se fechou atrás de si. O mapa indicava um caminho possível - a estrada à direita era o início da viagem. Decidiu virar à esquerda em direcção ao ponto encarnado mais próximo.
Percebera que o museu das ideias era uma espécie de lugar a descobrir enquanto conduzia por estradas e caminhos desertos, por dentro de árvores densas e pedras duras, por cima de algumas montanhas com o céu como horizonte.
Depois de ter passado o ponto encarnado, marcado no mapa, percebeu que se tratava de lugar de contemplação, de espaço sagrado construído para corpos sedentos de evasão. Foi entendendo que todos os pontos amarelos eram lugares vazios de vegetação e que os verdes indicavam muita água, vida, nudez, grito e vibração.
Parou em frente a uma cascata. Estava descalça e só. Selvagem. Despiu-se e gritou para a montanha. Gritou muito, como se o mundo a ouvisse e não pudesse mandá-la calar. Entrou na água e esteve o tempo inteiro em si, como se pudesse ter nascido naquele instante. Entrou no espaço que conhecia, o do seu eu. Vibrou com a água e o ar.
Este não é o museu das ideias, pensou. Este é o lugar que se descobre porque se sente o orgasmo da vida em cada silêncio e em cada sopro. Este é um bocado de mundo que se visita para que se não pense, talvez por isso lhe tenham dado o nome errado.
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