27.5.09

NÃO EMPRESTO LIVROS

Sara Pessoa
- “Quando alguém tem medo deve correr para casa ou para a parte de fora da noite”. (*)
- Que dizes?
- Digo que “a poesia, que parece uma coisa parada, resolve, ao mesmo tempo, o tédio e o medo”.(*)
- Estás parva?
- Não. “Um verso que um homem saiba de cor só se elimina com a brutal amnésia”(*)
- Mas estás a falar de quê?
- Estou a dizer-te a importância da poesia.
- A que propósito?
- A propósito da informação.
- Que informação?
- “O excesso de informação que o mundo imbecil te obriga a guardar”. (*)
- Mas a poesia é informação.
- Não é. “O verso não tem o timbre de uma informação.” (*)
- Dás-me um exemplo?
- “Os homens que se erguem não são da mesma espécie animal que os homens que são derrubados e aí ficam”. (*)
- Isso depende da anatomia.
- “A anatomia é algo que existe escondido dentro do corpo”. (*)
- Como?
- “É interior, como as imagens mentais, apesar de menos interior do que as imagens mentais”. (*)
- Estás a comparar ideias com ossos?
- “Um osso existe, apesar de tudo, em sítios menos fundos do que as ideias ou raciocínios (…). Se escavarmos com instinto arqueológico, descobriremos primeiro a tíbia e o perónio e só depois certas células inteligentes.” (*)
- Defendes, então, que as ideias são pesadas.
- Sim. “Na balança, a memória pesa mais do que os projectos. Uma deficiência na rapidez de sentir: eis o ressentimento ou o remorso.” (*)
- E para que servem os ossos?
- Para dançar, por exemplo.
- Como?- “Um homem a dançar pode ser bonito mas um homem a pensar nunca é bonito. E se um homem dançar enquanto pensa esse homem terá pensamentos estúpidos, e se um homem pensar enquanto dança, trocará os pés e acabará por tropeçar.” (*)
- É uma regra?
- “Não é uma regra mas poderia ser uma regra: dançar é incompatível com a resolução de uma equação de segundo grau”. (*)
- Para que livro olhas?
- Para O Senhor Breton
- Empresta-mo.
- Não empresto.

(*) Gonçalo M. Tavares; O Senhor Breton. Editorial Caminho

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