(Paula Rego)
Normal: o que é regular, frequente, aquilo que se considera prática da maioria dos seres humanos. Passa a ser normal o português cuspir para o chão quando, grande parte das pessoas o fazem. Se a maioria dos cidadãos decide calar-se face a uma fila de três horas na repartição de finanças, a normalidade assume dimensões desastrosas. Quando consideramos normal o filho responder de forma agressiva ao pai, o pai bater no filho, ou um idoso ser abandonado por não haver tempo para lhe oferecer, a sociedade adoeceu, sem remissão. Proporções assustadoras e, de alguma forma pornográficas, são as que permitem assumir a normalidade como aquilo que a maioria faz regularmente e, por isso, tem unânime aceitação. Se alguém esbarra na infeliz ideia de sair do trilho a ponto de reflectir sobre o comportamento impensado da maioria, será esse o anormal que ousa questionar aquilo que é engolido sem interrogações. Podemos correr riscos quando ousarmos manifestar desagrado frente ao que defende a imbecilidade de uma normalidade de plástico. Cuidado. Não ousemos ousar, nem pensar, nem perguntar coisa alguma que se defenda como instituída, sem mais. Fiquemos quietos quando nos apetece gritar de indignação, beijar com paixão, correr com energia, abraçar com força ou pôr em causa a normalidade que nos é ensinada por baixo do pano estragado de um bom-senso emprestado. Sejamos pacíficos, iguais a todos os outros. Estejamos quietos para que as represálias não aconteçam, para que o chefe não se zangue nem o pudor se manche.
Aristóteles defendia que todas as pessoas se devem esforçar por seguir o que está certo e não o que está estabelecido. Sabemos que, nos nossos dias, o que está estabelecido é, curiosamente, o que está certo.
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