1.4.08

O COLECCIONADOR DE SONS


(Rothko)

Um ídolo nunca ganha esta condição por si mesmo, mas pela adoração dos que o rodeiam. É a idolatria que faz o deus. Mas como pode haver adoração se o fetiche se ausenta do seu pedestal? Conheci mais o meu pai pelas conversas ouvidas à mesa e os quadros que as suas cartas descreviam que pelas horas que ele passou ao meu lado. Com efeito neste preciso momento deve estar a gastar os olhos em cima de um andaime, sob a luz ténue de alguma abóbada, a trabalhar num retábulo de igreja (...), ou sobre a tela de um dos retratos que os nobres ainda lhe encomendam. Foi talvez por isto que nunca quis ser pintor; tudo o que se interpõe entre um homem e os seus afectos causa grande aversão! (...) A negação dos sentimentos é uma garantia de sossego, mas é também o recurso dos cobardes.

Fernando Trías de Bes; O coleccionador de Sons (Porto Editora)

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