3.11.10

PORQUE SIM


Numa noite em que o calor tomava existência no escritório, Luísa encontrou um corpo por trás de um monitor rectangular e claro. Escrevia palavras com jeito.

Os parágrafos sucederam-se com conteúdo e forma. Bonitos. O interlocutor foi plano. Luísa arrepiou-se, colocou a sensibilidade acima do entendimento e a beleza das palavras aconteceu, a troca de experiências foi realidade. Os dois existiram enquanto foi possível a existência a quatro mãos. Depois, ficaram duas mãos de um lado e duas mãos do outro.
Quando um par de braços se afasta e as mãos se descolam de um teclado dividido em noites quentes, há gente a correr, com o grito calado, com uma indiferença ou uma qualquer indignação. Não tem importância, há relevância nos acontecimentos que encontram sentido numa relação directa de si para consigo. Luísa calou mas sabe, até hoje, que aquelas mãos tiveram forma no momento em que era urgente escrever e sentir.

Agora, enquanto escreve o passado, deseja um presente bonito para quem foi actor de uma história que resvalou no silêncio. E grita alto aos que a ouvem: as palavras não escritas são, muitas vezes, o desassossego, a respiração que se trava porque sim.

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