Não saber se posso vir cá depois de morrer. Tenho a impressão que me ia dar jeito.
28.2.11
25.2.11
VIAGEM
Para longe, em cima das rodas e olhos no horizonte. Para longe, com toda a vontade em cima das pernas.
24.2.11
23.2.11
OUTRA CASA
No dia em que chegou cedo, apontou para a porta. A chave cabia mal na ranhura. Fez força. Rodou a chave com dificuldade e entrou. Lá dentro, o escuro era longo e a luz estava longe demais. Pousou o saco e tacteou até à cozinha. Depois de abrir a janela percebeu que aquela não era a sua casa.
22.2.11
GRITOS EM MOLDURAS
Ir até ao fundo de uma solidão procurada. Respirar devagar. Perceber que se está em frente à alma com o corpo todo posto em cima de uma mesa. Olhar para as palavras e enfeita-las com o sentimento que se esconde porque é teimoso ou tímido. Voltar a respirar. Fumar um cigarro longo, sem mãos nem fumo nem objecto. Sentir as costas na cadeira e perceber a existência dentro de um escritório com livros e molduras. Emoldurar todos os gritos que, dentro, dançam com risos e lágrimas.
21.2.11
POUCA VIDA
Envelhecimento. Arroz doce ao Domingo. Tempo que passa devagar e gente que ri com esforço. Envelhecimento nas casas com portões e lareiras e quintais e cães e galinhas e limoeiros e macieiras e pereiras e figueiras. Envelhecimento perto da serra e do céu que se vê cinzento com água por baixo.
19.2.11
18.2.11
CAMINHO
17.2.11
ANDAR LENTO
Bloqueio. Dias sem avanço no pensamento. Noites sem que ideias apareçam. Na antecâmara do sono, pouco antes da inconsciência, a luz parece acontecer mas já não há forças. Mais um dia para arrastar as pernas pesadas e o andar lento.
16.2.11
FORA DE MODA
Era uma vez um político com consciência. Era uma vez uma consciência política. Era uma vez um político fora de moda e uma consciência política deslocada da realidade.
15.2.11
14.2.11
MÁ MEMÓRIA
COM AS MÃOS POSTAS NA BATINA
Numa casa perto da Igreja Matriz discutia ideias e facultava livros sem preconceito ou escusa.
Atrás da porta do escritório, cadeira posta para quem entrava. Sem hora, ouvia as histórias de vida e opinava com inteligência. Sem censura.
Viveu e acompanhou vidas. Viajou num espaço e num tempo marcados por existências.
12.2.11
CARTA 1
“Procede deste modo, caro Lucílio: reclama o direito de dispores de ti, concentra e aproveita todo o tempo que até agora te era roubado, te era subtraído, te fugia das mãos. Convence-te que as coisas são tal como as descrevo: uma parte do tempo é-nos tomada, outra parte vai-se sem darmos por isso, outra deixamo-la escapar. Mas o pior de tudo é o tempo desperdiçado por negligência. Se bem reparares, durante grande parte da vida agimos mal, durante a maior parte não agimos nada, durante toda a vida agimos inutilmente
Podes indicar-me alguém que dê o justo valor ao tempo, aproveite bem o dia e pense que diariamente morre um pouco? É um erro imaginar que a morte está à nossa frente: grande parte dela já pertence ao passado, toda a nossa vida pretérita é já do domínio da morte!
Procede, portanto, Caro Lucílio, conforme dizes: preenche todas as tuas horas! Se tomares nas mãos o dia de hoje conseguirás depender menos do dia de amanhã. De adiamento em adiamento, a vida vai-se passando”
Séneca; Cartas a Lucílio
10.2.11
COISAS MOLHADAS
As esplanadas são lugares desejados quando o sol toma forma. Por que razão fecham quando chove? Estar na esplanada com o chapéu aberto, os pingos à volta da mesa e o olhar no fumo espesso do chá verde pode ser experiência necessária. Ficar à chuva na esplanada. O momento para reflectir sobre todas as coisas molhadas.
9.2.11
SENHOR DE PLÁSTICO
Tem a pose de “senhor”, daqueles que se fabricam com a ajuda de uma vida pouco difícil. Altivo, com a mania que é bom e um sorriso fabricado em frente ao espelho da casa de banho depois do duche cantado. Tem a pose de um “senhor” mas é homem que olha com desdém para os que sabem que, de senhor não tem mais que a sombra. Há uma sombra que persegue e não incorpora porque a atitude não é suficiente, não bebeu o chá necessário nem tem vocabulário que estruture a postura ensaiada todos os dias. Os pés pisam certezas e as mãos agarram preconceitos. Não sabe que é de plástico e é isso que faz dele um boneco.
3.2.11
TEMPERATURA
Quando a temperatura desce, as pernas entorpecem e a alma congela. Os dias são pequenos e o sol, em momentos felizes, aparece para que não nos esqueçamos dele. Quando a temperatura desce, as ideias ficam coladas umas às outras e separa-las é árdua tarefa. Desiste-se de quase tudo porque quase tudo parece difícil.
Não gosto de baixas temperaturas nem de ideias que se colam. Gosto de coisas difíceis. As pessoas estão cansadas. Os lugares estão cheios de peso e espessura densa. Não gosto do ar que se respira porque se respira devagar, como quem tem medo de agir. Quando a temperatura desce, vive-se mais devagar.
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