31.1.08

NINGUÉM


Considerei sentir e observar, nas ruas da minha cidade, a pressa e o tempo que passa sem que as pessoas se apercebam do que verdadeiramente acontece. Sentei-me quieta num terminal de metropolitano. Permaneci meia hora em silêncio. Atenta. Senti muita gente confusa, algumas pessoas tristes, outras que se riam da vida e muitas com ânsia de chegar. Fiquei quieta e, a quem me via, sorria com um aceno como se lhes dissesse: calma, a tua respiração está aí e os teus pés existem, vive com eles no chão, mas não te esqueças que amanhã podes não ter essa força ou essa pressa. De nada valeu o olhar atento. Os outros continuaram o caminho. Eu vim embora depois de perceber que ninguém me ouvia os pensamentos.

30.1.08

ESTUPIDEZ


(Resende)

"As perguntas nunca são estúpidas, as respostas é que podem sê-lo". Há estupidez maior que esta?

29.1.08

AMAR EM LIBERDADE


(Resende)

"Jean Paul Sartre desdenhava de tudo o que cheirasse a conformidade ou convencionalismo. A ideia de um emprego regular com colegas e patrão era anátema para ele. A ideia de assentar num sitio só não o atraía Tinha uma missão: ser um grande escritor. Mais nada importava. Para poder escrever tinha de viver o mundo." (Hazel Rowey)

A sua ligação com Simone de Beauvoir foi tudo menos convencional. A liberdade como principio fundamental. Obrigatória. A criação da própria vida e o destino nas mãos. A vida dos dois foi uma construção, como qualquer uma o deverá ser. Ele dar-lhe-ia tudo o que pudesse. A única coisa que Sartre não podia dar a Simone era a sua pessoa, precisava de ser livre.

28.1.08

2 - JÚLIO RESENDE



"... Mas eu queria, efectivamente, ser pintor! Talvez o destino me tenha proporcionado o primeiro passo. Comprei a primeira caixa de tintas a sério, e aprendi a colocar as cores na paleta, segundo as boas regras.
A acumulação de pastas e blocos de desenhos, registos de vivências (quantas!) despertaram em mim o imperativo de uma reflexão desapaixonada quanto ao destino a dar a tais registos. A distância do tempo e do espaço permitiu-me julgar a consistência de um material face a uma trajectória que me recaía por obscuras leis e nada teve de doloroso da minha parte a destruição de grande quantidade desses desenhos; seria disso testemunha a velha mufla de aquecimento do atelier, se ela falasse....A consciência mais aliciada levou-me a verificar que as hesitações de percurso uma vez eliminadas, tornavam mais claro o referido trajecto que, iniciado nos anos 30 cobriam 60 anos nos quais a dominante expressionista respondia necessariamente à minha, natureza de homem. Confesso que na minha mente era consistente o desejo de manter o conjunto íntegro, e isso bastava-me.
Que o Desenho seja entendido no seu mais amplo sentido. Não apenas restrito às Artes-Plásticas mas a todas atitudes criativas do Homem. Não é monopólio de qualquer época nem de qualquer sociedade.O Desenho é expressão de um consciente que o particulariza"


Júlio Resende nasceu no Porto a 23 de Outubro de 1917.

25.1.08

ENTRE DUAS PRESENÇAS

Entre o meu "primeiro convidado" e o que se lhe segue, mastigo algumas considerações acerca do que tem sido a construção deste blog. Depois de um registo de momentos mais ou menos escorregadios, parece-me importante ir construindo detalhes de vida na Dobra Do Grito, pormenores que as ideias me vão oferecendo. Pretensão escandalosa? Talvez. De qualquer forma, abdico do suposto juízo acerca do que poderá não passar de uma pretensão e, avanço. Os medos continuam comigo. Sempre. Agarro-os com força e vou esmagando um a um. Devagar. Talvez um dia deixem de fazer sentido.

DOBRAS E GRITOS (9)

Depois de um fim-de-semana cheio de luz, areia e sol, regressarei com Júlio Resende.

DESPEDIDA DE UM MESTRE



Pollock, primeira presença neste blog, retira-se para o lugar dos que passaram na Dobra Do Grito.

24.1.08

DISCIPLINA


(Pollock)

É o sono de uma noite intranquila e o tédio das ideias mal dispostas. É, agora, a hora da disciplina, por dentro e por fora.

QUADRO


(Pollock)

A vida pode ser um quadro pintado por nós. Sentemo-nos atentos em frente à tela. Peguemos no pincel e nas tintas. Trabalhemos. Os riscos formam-se e o quadro afilge-nos. Ou não. Porque sabemos que, um dia, num lugar por nós construído ficará a marca da nossa presença.

23.1.08

RISO E CANSAÇO


(Pollock)

Que o riso me retire o cansaço e disparem as gargalhadas vibrantes. Que os dias cresçam na força de rir com o mundo. Que o mundo prospere a cada gargalhada que solto. Que vá para longe o cansaço na dobra dos risos caídos.

22.1.08

ANJOS QUE DANÇAM


(Pollock)

Depois de algumas reflexões sobre o novo sistema de avaliação dos professores, apetece-me fazer dançar os anjos. Afinal, sabemos que, nem sempre, conseguimos fazer da vida aquilo que queremos. Julgo que hoje, os professores do nosso país (refiro-me aos que gostam de ensinar), se deparam com uma questão fundamental, a saber: a escola deixou de ser um lugar de conhecimento para passar a ser um lugar de entretenimento pseudo-cultural. Desta forma, ou os professores se adaptam a uma avaliação desajustada e perversa, ou saem para defender a dignidade que estão prestes a perder. Aos que ficam (por gosto ou necessidade), que façam dançar os anjos a fim de sobreviverem física e psiquicamente. Aos que saem, a melhor sorte do mundo. É urgente salvar a nossa individualidade. Se não o fizermos com inteligência e sentido crítico, não só os anjos não dançam como ainda se corre o risco de uma necessidade urgente de terapia. É uma questão de saúde pública.

DOBRAS E GRITOS (8)

Já passou o tempo em que havia Professores, Alunos e Escola.

21.1.08

A CAIXA


(Pollock)

Se queremos entender o sentido de tudo isto, talvez seja mais fácil por analogia. Imaginando que somos todos uma espécie de caixa de cartão, podemos decorá-la a gosto. Como diz uma querida amiga: "dá sempre imenso arranjo". Pegamos na caixa e, vamos formando o conteúdo aos poucos, sempre que os dias passarem e as memórias persistirem. A caixa é nossa, colocamos nela as pessoas, as coisas, as experiências, tudo o que considerarmos relevante para que, lá dentro, se possa formar a nossa genuína auto-imagem, o chamado "self" de que falou Rogers. Depois, sabemos que é daquela caixa que temos de cuidar. Abrir-lhe a tampa algumas vezes, mexer-lhe dentro sempre que há urgência ou necessidade, fazer uma limpeza, voltar a fechá-la nos momentos de maior fragilidade. Um dia, quando o comentário à vida chegar, sabemos que a nossa história está ali, sempre disponível. Basta ir lá buscá-la.

O COMENTÁRIO

"Os primeiros quarenta anos de vida dão-nos o texto, os trinta seguintes o comentário"
(Shopenhauer)

19.1.08

DOBRAS E GRITOS (7)

A inacção engendra horas produtivas. Contemplação. Tudo nos resta depois do ócio.

17.1.08

COMPARAÇÕES


(Pollock)

Comparações. Nome que o autor deu a este quadro. Talvez consigamos encontrá-las. De qualquer forma, não pode ser fácil comparar momentos geniais. Estabelecer paridade, exige simetria intelectual. Coisa gira.

Agora que o sábado se aproxima, vou pintar humildes rabiscos para perto de pessoas bonitas.

MUTISMO


(Pollock)

Que fiquem mudos os que não sentem a cor, os que não vêem texturas. Que fiquem quietos os que, aos pulos, não avançam. Para todos o vento sopra, só a alguns a obra paralisa.

DOBRAS E GRITOS (6)

Parece que temos a mania escandalosa de colocar pedrinhas nos sapatos alheios. Pena que não nos lembremos que, os que calçamos, também são susceptíveis.

16.1.08

INTUIÇÃO


(Pollock)

A intuição empurra-me para algumas palavras que puxo para fora dos quadros. Pollock achar-me-ia pretensiosa e tola, provavelmente. O propósito fica muito aquém do que os quadros merecem. Este lugar pessoal, surgido de um nada momentâneo, pretende ir em direcção à forma, a partir da forma. A procura de uma possibilidade de encontro entre o génio artístico da imagem e as palavras que, dela, retira uma aprendiz.

15.1.08

DEMASIADAS ESCOLHAS


(Pollock)

Alguma dificuldade em encontrar a estética exigida. Algumas tentativas falhadas. Um mar que envolve opções sem se aquietar com a facilidade que se deseja. Cores, palavras, cheiros ausentes e pequenos. A indecisão é uma característica pouco tranquila, faz-nos escolher em demasia.

14.1.08

GEMIDO


(Pollock)

As mãos que matam são as mãos que amam. Gemem os corpos de dor e prazer. O fogo e as lâminas em orgia. Como se o mundo se pudesse concentrar num instante de corpos que se consomem. Parece que a luxúria se alia à raiva de ter membros e boca e olhos que se cegam uns aos outros. Brincar com os corpos é perigoso. Há homens enrolados ao que não sabem. Há pessoas de corpo feito ao gemido. Porque o descanso ainda não possui existência.

DOBRAS E GRITOS (5)

Confesso contente que, a criação cuidada de um blog dirigido, começa a tornar-se arrebatadora.

12.1.08

ALMAS DISPOSTAS


(Pollock)

Que se faça silêncio. A mudez traz-nos o estampido das almas dispostas. Alentos perturbados por ausência de quietude.

11.1.08

ATRÁS DO VIDRO


Avistam-se, por trás do estilhaço, imagens de pessoas que estão nuas. Dobram esquinas estreitas em ruas escuras. Desprotegidas. Corpos em plena descompostura e alegre riso. Correm. O vidro não é perceptível do lado de fora. De dentro, continua a visão do riso desmedido que perpassa arestas finas de tempo gasto na estilha partida. Há marcas nos corpos dos que correm e nos olhos de quem vê. Marcas de riso muito solto que, com o vento, se retira. A nudez permanece longe, ausente de tudo o que se avista por detrás da falha que perdura.

10.1.08

VIVER COM ELEGÂNCIA


(Pollock)

Caminho difícil, o da elegância. Como se a postura de quem pensa, está e sente, fosse denunciadora de uma certa certeza do belo. O belo que se mostra. O chamado bom gosto que não existe em todas as criaturas.

9.1.08

O REAL E O DESEJÁVEL


(Pollock)

A realidade não anda a reboque dos nossos desejos. Talvez não exista, em si mesma. Está fora de nós, tão longe quanto perto de poder ser uma interpretação. A realidade e o desejo nem sempre casam, nem sempre dançam, nem sempre cruzam. E quando o desejo encontra a geometria pedida a uma realidade esperada, talvez, a esse momento, chamemos felicidade. Não sei.

DOBRAS E GRITOS (4)

Não sou mulher de grandes certezas.

8.1.08

GRITO


(Pollock)

Grito quando o desassossego chegar. Grito alto quando me apetecer. Deixo o protesto ficar onde a alma não coube ou o corpo não quis. Deixo que reste o prazer de um grito em uma pequena morte. Fico em sossego com o grito que não pude dar. Porque há instantes onde o silêncio do grito também se ouve.

7.1.08

DOBRA


(Pollock)

Quando se dobra uma folha, fica o vinco, a marca de alguém que chegou ali. Quando se dobram palavras, ficam os sons da boca de quem as disse ou escreveu. Quando se dobram imagens, restam as perspectivas anunciadas de quem as olhou. E quando os dedos se dobram, fica a mão sozinha ou em outras. Como se um gesto nos pudesse fazer entender que, uma dobra é sempre uma marca que persiste, para lá do que se vincou, ali, na presença instantânea de uma qualquer existência.

DOBRAS E GRITOS (3)

Depois do mar em tumulto e de Chopin em quietude, chegar a Lisboa sem ter preenchido telas com cores, não foi experiência merecedora de desalento.

5.1.08

INCLINAÇÃO POÉTICA


(Pollock)

Se eu soubesse pintar, em fins de semana de chuva, ficaria em casa, a construir imagens a preto e branco e a inclinar-me sobre as cores.

4.1.08

CORPO QUE DANÇA


(Pollock)

É o corpo inteiro que dança. É a alma que encarna na medula, cheia de ser. É o bambolear inquietante do riso oferecido em gargalhadas soltas e breves. É a vida inteira de odor, as mãos que colam no suor de um corpo menos quieto. É o olhar pelo postigo postiço e seco pelo sol. É o passar dos minutos sem importância. É todo o corpo que dança. Depois ri.

3.1.08

DOBRAS E GRITOS (2)


(Pollock)

Regresso das festas programadas, aquelas por que alguns esperam e de que alguns fogem. Regresso à saborosa normalidade quotidiana. Nada como dias comuns, podemos apreciar o imprevisto. Sem expectativa.

1 - JACKSON POLLOCK



O grande sonho de Pollock era ser pintor. Desde sempre esteve convencido de ser capaz de desempenhar com sucesso a profissão, apesar de ter consciência de que só seria possível concretizar o seu sonho se fosse viver para Nova Iorque.
Demoliu os limites impostos pelo cubismo, dando origem a um movimento artístico que ficou conhecido por Expressionismo Abstracto e que veio dar credibilidade à pintura americana do pós-guerra. A forma de pintar de Pollock ficou conhecida por "action painting".
O papel do inconsciente e dos sonhos na criação vão influenciar Pollock, que admira artistas como Picasso e Miró. Em 1939, Pollock começa a fazer psicanálise segundo o método do suíço Carl Jung, e o conceito de "inconsciente colectivo" passa também a marcar profundamente a sua obra.
A característica principal das pinturas de Pollock é a unidade, com a particularidade de serem feitas directamente, sem esboço. A imagem - abstracta - é construída à medida que vai sendo executada.O grande salto na carreira de Pollock deu-se na década de 40, quando o pintor conheceu aquela que, mais tarde, se tornaria sua mulher: Lee Krasner, artista ligada à arte abstracta.
A partir de 1950, a produção artística de Pollock entrou em declínio. O pintor perdeu a inspiração, entrou em estado depressivo e refugiou-se de novo no álcool. O seu casamento desfez-se e a sua pintura deixou de fazer furor. Morreu em 1956, aos 44 anos de idade, quando o carro que conduzia - em estado de embriaguez - se despistou e bateu contra uma árvore, a um quilómetro da sua casa de East Hampton. A morte violenta do pintor transformou a história da sua vida numa fábula trágica.Hoje, Pollock continua a ser louvado pela crítica e pelo público em geral, que o reconhecem como um dos maiores pintores modernos.

(Fontes: Sofia Frazoa e Claudia Castelo)

2.1.08

MEXER


(Pollock)

A sensação é de alguma fragilidade, como se tivesse um bebé e não soubesse bem o que fazer com ele. Talvez olhar com calma, perceber o que necessita, o que me pede. Talvez ouvir-lhe o gargalhar e entender que, dele, podem surgir as ideias ainda quietas, mexer-lhe as formas e sentir-lhe o cheiro.

1.1.08

PARA QUE A VIDA NÃO MORRA


Iniciar um ano com um novo blog. Não que o antigo fosse feio ou antipático. Era apenas antigo. Cansei. Matei-o. Morte bonita, anunciada devagar e dita depressa. Aqui podem surgir poderes de imagem ou palavra. Presenças mais ou menos vincadas pelas dobras da existência que se quer contente, sadia. Aqui acontecerão presenças de passagem pela dobra e pelo grito. Como se fosse urgente criar, a partir dos próprios criadores de cores e de texturas, de sons e de sabores. Para que a vida não morra atrás da porta fechada e dos gritos trancados.

DOBRAS E GRITOS (1)

Hoje é um dia diferente dos outros. Não por ser o primeiro do ano, mas por poder ser um punhado de horas que nos farão existir em contentamento. Se assim o decidirmos. Aborrece-me o facto de ter, neste dia, mais olheiras que no anterior.