“Se
o mundo é absurdo – pelo menos opaco, indecifrável – há que escutar a voz
daqueles cujo espírito é aparentemente desregrado. Talvez eles tenham mais sorte
que nós (nós, os ‘normais’) em penetrar no matagal em que vivemos. Talvez
tenham contacto direto com o nódulo obscuro das coisas.
Em
todas as tradições – com alguma prudência e irrisão – o ´louco´foi sempre
cuidadosamente escutado. Algumas das histórias que lhe são atribuídas podem
surgir como as mais sensatas do mundo. E o mesmo quanto aos bêbados, até aos
drogados, que perderam provisoriamente o espírito para nosso maior benefício.
Também
aqui a lógica é afetada, as relações correntes são invertidas, acende-se uma
outra luz.
Passa-se
na corte do Japão. Um cortesão escreve uma carta e utiliza para tal caracteres
enormes.
Passa
um outro que estranha:
-
É uma carta?
-
Sim.
-
Nunca tinhas visto letras tão grandes. Deve tratar-se de um assunto muito
importante.
-
Não é isso, estou a escrever a um surdo.”
Jean Claude Carrière; Tertúlia de
Mentirosos.
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