31.5.08

TRISTE PRAZER


(Graça Morais)

Encontrei pessoas que não via há muito tempo. Em alguns casos foi um prazer, em outros, uma experiência triste.

30.5.08

LONGE


(Graça Morais)

Mais um fim de semana longe do barulho sumido dos carros e do canto dos pássaros na minha janela. Do primeiro, eu fujo sempre que posso, do segundo levo as saudades que, de volta, sacio com prazer.

29.5.08

TRANSFORMAR É PRECISO


(Graça Morais)

Mais importante que saber sentir a tristeza, é saber transformá-la numa qualquer energia que sirva, positivamente, para criar.

28.5.08

UM LUGAR GIRO

O sítio do pica pau amarelo.

DIABO NO CORPO


(Graça Morais)


O grito da semana é o de uma intenção artística diabólica. Genial é aquele que tem "o diabo no corpo", como se fosse preciso sentir a força, o talento e a destreza de um qualquer anjo das trevas. Como se o êxito dependesse de uma energia estranha, capaz de granjear as formas que, mais que perfeitas, devem ser belas. Porque a beleza também é produto do olhar, podemos partir do princípio de que, demoníaco é aquele que transforma a força em forma artística.

27.5.08

VIÇO


(Graça Morais)

Que saiam de si as mulheres que sentem, nos corpos cansados, o prazer de o serem. Que saiam exaustas do grito e do vinco. Que corram em estradas com meias de seda. Que desçam avenidas em noites despertas e fiquem, para sempre, no lugar que lhes pertence: o da cor, do prazer e do viço.

26.5.08

8 - GRAÇA MORAIS



Graça Morais nasceu em Vieiro, Trás-os-Montes, a 17 de Março de 1948. Reside e trabalha em Lisboa. Concluiu o Curso de Pintura na Escola Superior de Belas-Artes no Porto em 1971. Em 1995 criou figurinos e cenários para a peça Ricardo II de Shakespeare no Teatro D.Maria II. Em 1997 executou painéis de azulejos para a estação Bielorussia do Metropolitano de Moscovo. Está representada nas colecções do CAM-Fundação Gulbenkian, do MAM de São Paulo, do MC-Casa de Serralves e do Ministério das Finanças, entre outras.


“Um quadro é sempre o lugar da minha maior intimidade. Estou lá toda. Tudo o que absorvo do exterior passa primeiro por dentro de mim, pelas minhas vísceras, pela minha cabeça. E depois sai e fica numa tela.”

(Graça Morais, 2002)

23.5.08

NECESSIDADES


(Kandinsky)

Comprei um objecto sem saber que precisava dele. Agora chego ao entendimento de que, há coisas necessárias, mesmo quando julgamos não nos fazerem falta.

21.5.08

POTES DE VIDRO

As coisas que em meninos pensávamos, eram sonhos dentro de potes de vidro. Víamo-los nítidos na transparência espontânea dos gestos irrequietos.

20.5.08

COISAS QUE ME INQUIETAM (2)


A desilusão acontece, provavelmente, para percebermos se somos capazes de continuar viver.

19.5.08

AQUILO EM QUE SE NÃO MEXE


(Kandinsky)

“Devido à nossa forma de avaliarmos o mundo, através dos sentidos, a ideia de que uma coisa pode existir em mais do que um estado ao mesmo tempo é absolutamente contra-intuitiva. Este é o prodígio do mundo quântico”, ensinou-me Deepack Chopra num livro que me ofereceram ontem. Mal podia imaginar que viria a escrever assunto tão fora do meu alcance. Certo é que, assim que peguei no livro, lembrei-me do famoso “Gato de Schrödinger e de como a experiência deste físico, me fez conversar uma noite inteira com quem entende do assunto.

Simplificando a ideia, trata-se apenas de entendermos que é a observação que transforma a possibilidade em realidade. É bom partirmos do princípio que estamos num mundo de possibilidades em aberto, de vidas ainda não vividas, de objectos não tocados e de ideias não concebidas. Pertencemos ao universo como o peixe pertence ao seu elemento vital. Estamos em sintonia com tudo o que está e é à nossa volta. Pensamos que o mundo em que não mexemos é longínquo e não percebemos a maior parte das coisas que nos acontecem. Pura desatenção.

A forma como olhamos para as coisas transforma-as. Somos nós que construímos as realidades à nossa medida. Tudo está sempre incompleto. Possibilidades são tidas como realidades porque assim o percepcionamos. Não é por acaso que uma mesma realidade é percepcionada de formas diferentes por pessoas diversas, não é à toa que o nível mais básico e fundamental da natureza não é material, actua para lá do alcance do espaço e do tempo que, muito simplesmente, também não existem materialmente.

Vivemos num mundo onde não há objectividade, onde cada cadeira em que nos sentamos é constituída por átomos ultramicroscópicos, constituídos por partículas sub atómicas. No domínio quântico, os acontecimentos ocorrem à velocidade da luz e, a essa velocidade, os sentidos não conseguem processar tudo o que contribui para a nossa experiência perceptiva.

Resta-me pensar, aqui na cadeira onde me sento e me sinto, que o mundo que eu vejo não existe fora do entendimento que dele tenho, as coisas em que não mexo, não olho ou não experimento, fazem parte de um domínio não local que, por força da teimosa segurança que procuro, insisto em inscrever numa materialidade inventada.

17.5.08

ATRAVÉS DO VIDRO


(Kandinsky)


Às vezes, olhar através do vidro, faz com que esqueçamos o tempo. Ficamos a pensar se, para lá do que vemos, também existe realidade.

16.5.08

A SÉTIMA CURVA

À sétima curva, ouviu os pneus do carro derraparem no asfalto. Sentiu os músculos das mãos rígidos, como que absolutamente imersos em goma-laca. Viu-se incapaz de controlar o volante girando entre os dedos. O som da borracha a derrapar no alcatrão ensurdeceu-a. Bateu com a cabeça no tejadilho, o cinto de segurança começou a asfixiá-la. O corpo sacudia-se ao ritmo das voltas que o carro dava. À sétima curva despistou-se.Não soube contar o tempo até que parou, mas contou cada um dos rodopios. Um, dois, três, quatro. Ouviu o pára-brisas quebrar-se. Susteve a respiração o mais que pôde. O sangue começou a escorrer-lhe do nariz, quente, pastoso. Pensou que partira um braço, talvez uma perna, talvez as duas. Os pedais enredaram-se-lhe nos pés. Achou-se presa numa gaiola de lata e fumo.Nos minutos que se seguiram ao embate lembrou-se de todas as pessoas a quem já não via há muitos anos. Pensou como o tempo e a distância, por muito curtos que sejam, podem divorciar-nos uns dos outros. Tanta gente do outro lado da cidade, apenas a meia dúzia de passos, e há tanto tempo se não viam. O turbilhão das manhãs de trânsito, o frio da neve a entranhar-se nos ossos, o cansaço dos dias de trabalho a acumular-se sobre o casacão pesado. Tantos e tão genuínos motivos para regressar rapidamente a casa e adiar uma, outra, todas as vezes o cruzar de olhos com tanta gente de quem, desfalecendo naquele carro, sentiu repentinamente saudades.Moscovo parecia-lhe sempre povoada de fantasmas, gente muito magra ou muito gorda, muito bela ou muito feia, muito jovem ou muito velha, mas toda ela desconhecida, gente que deslizava sobre as calçadas escorregadias, gente que mais não era do que manchas na paisagem, que mais não era do que a fumaça que lhe saía das bocas e rasgava o ar frio.O corpo, dentro do carro, enregelava lentamente. À sétima curva, nem vivalma. Por aquela estrada não passava ninguém. Deixou-se ceder e afogar no sangue que lhe encharcava as roupas. A vista da cidade emoldurava-lhe o rosto maltratado pelo embate. Ao fundo,o turbilhão daquela manhã de trânsito, o frio da neve a entranhar-se nos ossos, o cansaço dos dias de trabalho a acumular-se sobre muitos casacões pesados. À sétima curva, enfim, adormeceu e com ela levou Moscovo inteira na memória.


(Moscou-Kandinsky)

Marta Botelho - Viagens Interditas.

A propósito deste convite.

15.5.08

DOBRAS E GRITOS (20)


(Kandinsky)

Repetem-se os dias que teimam em não ser iguais. Porque a vida não permite monotonia quando a alma permanece inquieta. Se há coisa que me irrita, é a rotina desmedida e ténue de um tédio anunciado e morno.

14.5.08

GESTOS MORTAIS


(Kandinsky)

Os portugueses continuam a ter comportamentos de risco. O preservativo não é usado na maior parte das primeiras relações sexuais. Continua a crença de que o mal acontece apenas aos outros. É a mentalidade pequena e idiota, inconsciente e inconsequente de quem não quer ou não consegue pensar que a vida também pode acabar com um gesto bonito.

13.5.08

EM VEZ DE AMAR


(Kandinsky)

Sem amor não vivo, não respiro, não grito, não abraço, não beijo, não olho e não vejo. Sem amor não existo, não me deito, não ando, não como e não falo. Sem amor não canto, não rio e não penso.
Sou nada e coisa parada quando, em vez de amar, sobrevivo.

12.5.08

PEQUENAS GRANDES CRENÇAS


(Kandinsky)

No tempo em que eu sonhava em ser princesa, acreditava também que elas existiam!

11.5.08

DOIS DIAS


(Kandinsky)

Cada vez mais sinto que, os fins-de-semana, são bocados de tempo usados para tudo ou para nada. Se formos pela primeira hipótese, podemos descobrir em dois dias o que, às vezes, leva meses a descortinar. Se formos pela segunda, podemos fazer do tempo a maior guerra contra os sentidos.

10.5.08

BLOGGERS ESCREVEM KANDINSKY (Teresa C.)


(Moscou)

Alcandorados, descem ao rio. Quando o há. No âmago das cidades, sendo planura o chão, os telhados ge(r)minam aboletados. Resguardam o casario e as gentes que dele fazem casa ou sítio de labor pago. Circula sangue vivo nas ruas cavadas pelos fossos entre telhados.
Amanhecem tranquilas as cidades. Enganador o vazio do alcatrão e das calçadas – no descompasso da hora que rege de cada um o dia, chegam caminhos apressados e a cacofonia. Pelo movimento do sol – porque assim percepciona quem, pregado ao chão, o vê acordar e morrer pela tardinha – chega a obscenidade dos roncos motorizados e dos guinchos das buzinas. Abafados, ficam sons outros que às cidades pertencem e dão vida: o saudável vozear dos humanos que entre si estabelecem pontes, a música tocada pelas folhagens ou o linguajar próprio dos cães e aves.
E, quando a cidade esgota pelo cansaço quem nela habita, fica por conta dos morcegos e daqueles para quem o dia é turno da noite. Nas horas de todas as sombras, as catacumbas sobem à superfície.

Teresa C. - Sem Pénis Nem Inveja

9.5.08

BLOGGERS ESCREVEM KANDINSKY (Leonor Barros)

O Homem e a Cidade

O homem não inventou a cidade; a cidade é que criou o homem e os seus costumes.
Guillermo Cabrera Infante

A frase paira no confronto com a urbe. O homem ou a cidade, quem criou quem? Uma questão que se me põe quando, de cachecol e luvas, atravesso a cidade quase despida, uns farrapos de neve sobre o casaco negro, o frio cortante como nunca antes se sentiu. Dor. O frio dói, e, contudo, é bela a cidade. E a frase volta quando ziguezagueando desemboco no Canal Grande e ouço o vociferar dos gondoleiros na manhã ensolarada. Está sol e o sol não dói. A cidade não dói. Quem te criou assim, cidade? Ouço-a de novo no miradouro de Santa Luzia, o casario como um tapete bordado até ao Tejo, palavras de poeta amancebadas com a cidade lá em baixo. Foste tu, poeta, que criaste esta cidade que ouço? E regressa sempre a frase, eterno enigma, que resolvo na tela colorida. Aquela não é a cidade. Não a que vi. Outra cidade, vibrante, um turbilhão cromático, e bela, igualmente sedutora. Foi o homem que inventou aquela cidade.

Leonor Barros - Geração Rasca

8.5.08

BLOGGERS ESCREVEM KANDINSKY (Alba)



A Cantora


Esta é a minha última actuação.
Fui interprete dos sonhos e das palavras dos outros durante muito tempo.
Alimentei-me de palmas que ouvia e de rosas e poemas que recebia.
E fui tantas mulheres em tantas vidas.
No palco era fácil apartar-me de mim e ser outra, em outra vida diferente.
E cantei-(te) os gritos de mulheres alucinadas de paixão, os lamentos dos amantes que se perderam e a dor de um homem que não sabia amar.
Fui feliz, cantando o cansaço das noites brancas e a alegria dos dias rubros.
Entoei palavras novas, de tão usadas por outros antes de mim, mas sempre verdadeiras porque vestiam o encanto dos acordes do teu piano, que eu escutava nas minhas veias.
Tu, o gémeo dos meus segredos, tu que acariciavas o meu rosto no teu
regaço, tão suave, onde eu amanhecia nessas nossas alvoradas de todos os prodígios.
Tu que, noite após noite, transformavas a minha mágoa em música, porque
cada acorde do teu piano, me devolvia o raio de sol que iluminava o jardim encantado da minha infância.
E a partir de agora, meu amor, só quero despir-me de todos os adornos e véus que usei e ouvir-te murnurar o meu verdadeiro nome.
Porque tu sabes, tu és o único homem que conhece o meu verdadeiro nome.

Alba - A Clareira

7.5.08

BLOGGERS ESCREVEM KANDINSKY (Titeo)

A Cantora

a sonoridade azul despe-me da seda selvagem onde me envolvo. alastro-me no rio leitoso das palavras molhadas no som do teu piano e os fios do timbre dedilham-me o corpo. vazei o medo no cálice do meu punho. permaneço indiferente à plateia que não vejo. pressinto-a. uma verticalidade de sonho integra-me. misteriosa. deslizo no teu palco de ilusões. serei musa no teu peito. inatingível. gritante. serei puta no teu leito. serei assombro e amante. serei tudo o que quiseres quando me olhas. fascínio. diva das noites do sul. sopro de vento em delírio. nesta calmaria aparente serei mulher. mas diferente. longínqua do teu domínio. clama pela imaginação a minha voz que te estremece. sente no sangue que corre as histórias dos teus amores. abraça de volta a loucura. lambe as lágrimas. solta as dores. repara como eu mudo a cada improvisação. sou a tua voz num palco. sou a arte. serenata. sou a tua alma insensata. sou o teu mundo com uma rosa na mão.

Titeo - Entre o sol e as Brumas

6.5.08

BLOGGERS ESCREVEM KANDINSKY (Manuel S. Fonseca)

“A Cantora”, de Kandisnky

Se me disserem que é azul, eu digo que mentem. Há um silêncio roxo ou púrpura que esmaga a cantora (ou é uma noiva?) geométrica e branca. Ao fundo, o pianista dissonante poderia ser, como Kandinsky que o pintou, um notário.
Não tenho a certeza de gostar de Kandinsky. E ele ralado... Seja como for, as “Composições” de Kandinsky – ao contrário desta “Cantora” de 1903 – são, quanto mais abstractas, mais vibrantes e tão musicais como ele achava que toda a pintura deveria ser.
“A cor é como as teclas, os olhos são as harmonias, a alma é um piano de múltiplas cordas”. Palpita-me que Kandinsky terá dito isto alguns anos depois de ter pintado “A Cantora”, o mais silencioso dos quadros. Um silêncio em roxo e púrpura. Igual, e também foi o russo pintor que o disse, “ao silêncio do corpo depois da morte”.

Manuel S. Fonseca - Geração de 60

5.5.08

KANDINSKY PROVOCA BLOGGERS


(Moscou I)

Dois quadros, alguns textos.


(The Singer)

Foi simpática a resposta de alguns bloggers ao meu convite: escrever a partir de um quadro de Kandinsky.
O meu sincero agradecimento ao Manuel S. Fonseca, Leonor Barros, Titeo, Teresa C. , Marta Botelho e Alba.
A partir de amanhã serão publicados os textos que gentilmente me enviaram. Bem Hajam.

7 - KANDINSKY



Wassily Kandinsky nasceu em Moscovo, no dia 4 de Dezembro de 1866. Filho único, seu pai sustentava a família com os rendimentos dos negócios do chá.
Em 1871 mudou-se para Odessa, em consequência do clima Moscovita. Seus pais divorciaram-se e a sua educação ficou entregue a uma tia. Três anos depois começa a receber as primeiras aulas de desenho e música. Aprende a tocar piano e violoncelo.
Em 1886, entra na Universidade de Moscovo, podendo assim viver na sua cidade predilecta. Estuda Direito e Economia mas mantém estreito contacto com a pintura e a música.
Segundo palavras do próprio, dois acontecimentos foram decisivos para a sua opção pela arte: a exposição dos expressionistas em Moscovo e uma ópera de Wagner no teatro da cidade.

Kandinsky considerava existentes as relações entre as cores e os sons. A música e a pintura fascinavam-no de tal forma que se tornaram a chave principal de sua convicção artística e o ponto de partida para toda sua obra.
Em Outubro de 1912, consegue organizar a sua primeira grande exposição individual. Após a ruptura com a era materialista, nascia para ele um novo reino espiritual cuja forma de expressão adequada seria a pintura abstracta na qual trabalharia com afinco.
Os anos de Guerra não o pouparam a terríveis privações. Apesar das dificuldades não perdeu o seu entusiasmo pelo trabalho e continuou a escrever diversos artigos em defesa da arte abstracta.
Em 1939 kandinsky e sua mulher adquirem nacionalidade Francesa.
Termina a sua última grande obra À Volta do Círculo em 1940. Até ao fim, Kandinsky, continuou a pintar pequenos cartões, apesar de incapacitado por uma arteriosclerose.


Morreu no dia 13 de Dezembro de 1944, em Neuilly-sur-Seine aos 78 anos.

4.5.08

MÃE É MÃE

Para as mães, dia cheio de filhos por perto, abraços, beijos e muito riso. Sucesso, glória, contentemento. Parabéns.

1.5.08

BRANCO


(Paula Rego)

O dia em que as mulheres se vestem de branco. Mãos atentas. Gestos pensados. Desassossego. O tempo de quase todos os prazeres.