28.2.09

"EXERCÍCIOS"


Menez

"Há exercícios para treinar a verdade como, por exemplo, ter medo. Ou então ter fome. Depois restam exercícios para treinar a mentira: todos os grupos são isto, e todos os negócios. Estar apaixonado é outra forma de exercitar a verdade. Klaus comandava pela primeira vez os negócios da família. Não tinha medo, nem fome, nem estava apaixonado. Cada dia era, pois, um exercício novo da mentira."

Gonçalo M. Tavares; Um Homem: Klaus Klump

27.2.09

JARDIM


Menez

Era uma vez um jardim. As flores murchavam quando as meninas olhavam desatentas. As árvores sumiam quando, ao acaso, os passos se distanciavam.

26.2.09

ENTRE AS DUAS PONTAS DA CORDA


Menez

Entre o sujeito e o objecto, a viagem. Arranco de mim as palavras, para longe, para o branco do papel que se desenrola, como tapete em dia de festa… Há viagem entre as duas pontas. De um lado eu, do outro, no vazio que se completa, a ponta da corda viajada por mim, o texto que, sendo meu, não sou eu.
No caminho de ida, deixo as ideias e as coisas. No regresso, tudo muito mais limpo, como em banho de pétalas brancas. Quando levo as pétalas perfumadas, regresso com carga imensa, pesada. O caminho que não acaba enquanto o ponto final não chega, é seco e íngreme. Cansa.
Entre o sujeito e o objecto, a viagem. Atiro fora os sentidos, restam distantes, não incomodam nem presenteiam, ficam lá, para que outros leiam. Pouco sabem de mim. Resta no objecto, o detalhe que não se escondeu, o acento que não se evitou, a vírgula da qual se fugiu, interjeição que nunca foi escolha.
Entre os dois, a viagem. Atiram-se ideias para serem lidas. Alguns comentam-nas, outros confundem-nas, outros trocam-nas e, os mais atentos agarram-nas para construírem outros mundos.
Eu sou sujeito, não sou objecto, por isso, aquilo que arranco de mim e coloco na outra ponta da corda, sendo meu, não sou eu.

25.2.09

COISAS QUE ME INQUIETAM (11)

Estou farta de ver a vagina cabeluda de Gustave Courbet na maioria dos blogues que visito.

O REINO


Menez

Gonçalo M. Tavares tem sido descoberta portentosa, das que, poucas vezes, acontecem. Agora, com O Reino nas mãos, pouco tempo resta para imagens fora dos livros.

THE READER

O melhor filme de um ano que ainda não acabou. Seguramente.

24.2.09

LEGUMES EM ÁGUA CORRENTE


Alguns dias seis, outros dias sete. Mulheres novas, com a experiência parada e a vida por preencher. Saem de casa com os sacos cheios. Manhã cedo, saias compridas e casacos cor cinza, escondem pernas em botas altas. Pulam para o autocarro com a ideia num almoço partilhado em sala que acolhe profissionais atarefados. Todas as semanas se juntam para falar de comida. Receitas trocadas, bolos de chocolate, frangos assados no Sr. Joaquim do Bairro do Rego e muito apetite. Juntas dividem tarefas, combinam o almoço da semana seguinte e riem de quem se junta para a sopa de feijão que o Bar da empresa oferece. São simpáticas. A sua vontade de comer faz lembrar a vontade de correr para longe, como quem foge de um cão raivoso e veloz.

As mulheres ocupam pausas com interesses culinários diversos, os que lhes ocupam, naturalmente, as vidas. Imagino-as ao final do dia, em casa, perto de um marido barrigudo e rezingão que espera o jantar sentado no sofá, com os filhos de gatas e pingo no nariz a clamarem biberão. As mesmas que, ao almoço, dividem os pratos de plástico, estão ali, em frente a um fogão topo de gama, olhando para o refogado que o marido aguarda a salivar, enquanto coça o bigode e vê o jogo do Benfica. São simpáticas. Umas esperam da vida, sucesso no lar e ordenado capaz de comprar casa em telheiras. Outras esperam poder usar Yves saint Laurent nas festas com casais que organizam aos fins-de-semana.

A dúvida instala-se quando não entendem a crónica escrita pela Maya na revista semanal que compram e folheiam como se não houvesse amanhã. A existência é posta em causa por momentos, quando as imagens dançam nas páginas da Caras. As unhas pintadas de vermelho carmim oferecem-lhes expectativas, prometem-lhes futuro, engendram-lhes sonhos. Nos dias em que são seis, sentam-se umas em frente às outras na mesa rectangular de um refeitório frio. Nos dias em que são sete, a cabeceira é ocupada pela primeira que chega, na ilusão de poder gerir a conversa apimentada e fresca, como os legumes que lavou bem cedo, em água corrente.

In: PnetMulher

23.2.09

NÃO


Menez

Não me entusiasmam figuras angélicas, nem caras perfeitas, nem corpos sem mácula, nem mãos sem sinais de vida.

21.2.09

IMAGENS CARNAVALESCAS


Menez

É Carnaval quando, na imaginação, construimos imagens para lá do que conseguimos ser. Depois vestimos roupas, rimos muito e fingimos que estamos contentes.

20.2.09

RECRIAÇÃO DO DESEJO

Menez

Quando alguém se vai embora, quando alguma coisa se perde, fica o sentimento vazio da ausência que queríamos presença. É o momento em que, privados do sentir e do ver, longe do tocar e do ouvir, mantemos o desejo encarnado de sangue e vivo de lágrimas. Aquilo, aquele ou aquela, ficaram longe, fizeram viagem para fora de nós, abandonaram presenças sentidas. Restam as palavras no espelho, as memórias na música e o suor nos dias que não voltarão.

A saudade é o desejo despido. O fervor e a vontade ficam sem água, sobrevivem por conta do sentir enclausurado, alimentam-se de uma recriação de imagens, de sons, de cheiros e de toques. Refaz-se a presença, ouvem-se os gestos, como se estivéssemos perto. É esse longe que fica nas mãos que agarram o nada e persistem na escura espera.

A génese do vocábulo está ligada à tradição marítima lusitana. Saudade descreve mistura de sentimentos: dor, tristeza, ausência ou perda. Do latim solitáte, voltamos à ideia inicial: perda que esbarra em solidão. Fortuna para os que dela retiram bem maior, força dos que sobrevivem com o querer sozinho (...).

Sentei-me aqui, com o espelho longe e a musica calada. A água transformou-se em chá. Verde. A saudade dos que não tenho puxou-me para o texto. A procura do desejo recriado e a força da vontade e do querer, fizeram deste branco, aquilo que leio e defino. Por desvario ou loucura, saudade pode ser triste. Por apego ou por amor, saudade pode ser contentamento. A escolha está na alma, quando o desejo se despe.

In: PnetMulher

19.2.09

DANÇA NA ESTAÇÃO DE METRO

Segunda feira, 15 de Jan 2009 11 am na estação de metro deLiverpool St., 70 bailarinos misturados dançaram e acabaram interagindo com passageiros.

O "show" foi planeado e ensaiado durante 8 semanas, sem o conhecimento do público.

PÁGINAS

Páginas não acabadas. Constroem-se personagens à distância. Dois amantes de palavras conhecem o prazer desmedido da troca de cumplicidades. E-mail em frente aos olhos que se querem prontos.

Talvez o livro, a possível materialização das ideias que se cruzam e dos corpos que não se encontram. Talvez o tempo e o desejo de perceber, até ao fim, o sentido de tudo isto. A espera de Luísa, a que um dia decidiu viajar para perto de um rio com nome de música.

18.2.09

26- MENEZ



Maria Inês Ribeiro da Fonseca nasceu em 1926.
Teve uma infância cosmopolita, seguindo as colocações do padrasto, o diplomata Jorge Rodrigues dos Santos. Até aos 20 anos, conheceu Buenos Aires, Estocolmo, Paris, Suíça e Roma.Em 1946, casou com Ruy Leitão, e mudou-se para Washington, onde residiu até 1949.

Menez nunca frequentou qualquer escola de arte, tendo começado a pintar por iniciativa própria aos 26 anos. O escritor Ruben A., que era seu amigo, apresentou-a em 1954 a José Augusto França, que dirigia nessa época a Galeria de Março, onde realizou a sua primeira exposição individual, de óleos e guaches.
A crítica de então referia-se ao seu expressionismo lírico e abstracto de influência francesa e atribuía a Menez autoria fundadora desta tendência em Portugal.
As obras desta época afirmavam-se por um sentido agudo da luz e da cor, em composições abstractas onde as vagas geometrias introduziam um ritmo exclusivamente plástico na abstracção. A influência de Vieira da Silva, marcante para a geração de Menez, era evidente nestas primeiras obras, mas também as de Bonnard, Rothko e Matisse.

Em 1990 é-lhe atribuído o Prémio Pessoa.
São muito conhecidos os trabalhos deste período, correspondendo à encomenda que Menez recebeu para a realização de painéis de azulejos para a estação do Metropolitano de Lisboa da Rotunda. Esses painéis, que retomam a antiga monocromia oitocentista do azul e branco, desenham, sobre as paredes do átrio principal da estação, cenas relacionadas com a vida do Marquês de Pombal e alguns acontecimentos e personagens marcantes do seu tempo. Menez adapta à pintura o desenho em monocromia (azul, laranja, sépia, por exemplo), que aplicou em cenas de grande teatralidade, de onde a paisagem quase desaparece.
Morreu em 1995.

17.2.09

"Amassos e retórica"


Quem escreve desta forma sobre as mulheres, só pode estar a brincar.

"FIM DE SEMANA EM BUDAPESTE"


"Luísa subia e descia a mesma calçada de uma Lisboa que a tornava mais e mais cansada, mas não como a da poesia no Teatro do Mundo, simplesmente esgotada e farta da redundante mediocridade de um povo que a deixou construir. A sua vida, por assim dizer, tornou-se numa rotina de hábitos e missões, costumes e obrigações, de uma tolerância demasiado impávida ou simples falta de coragem, chamemos comodismo.
Numa manhã débil de Janeiro, daquelas sem alvorada ou somente disfarçada por uma chuva que desaba depois num repentino mas óbvio momento, saltou Luísa do quentinho com maior vontade de regular os ponteiros do relógio de modo a iludir o tempo ou as distâncias que o medem, mas não, seguiu nos afazeres da rotina, ensinou afectivamente a quem tinha de ensinar sobre aquilo que lhe disseram ter que ser a verdade factual ou por vezes suposta e nada de interessante aconteceu, nada apareceu como novo ou sem aviso do tipo, digamos, prévio. As horas passaram com a mesma indiferença que a ausência tem pela espera e fez-se noite.
Na companhia do seu outro eu, aquele que se compromete a existir em caixas de correio electrónicas e afins, deixa-se anestesiar por pensamentos e leituras, caracterizando por palavras as análises que faz a formas geométricas e movimentos contínuos por simples prazer ou simpatia, descobre a curiosidade de sentir Budapeste.
O taxi que apanhou Luísa no Terminal 2B do aeroporto Ferihegy era preto e igual a todos os que pertencem à única companhia autorizada a transportar passageiros desde essa praça. Durante todo o percurso somente o silêncio total e absoluto fez memória porque tanto o motorista como a cliente não verbalizavam um idioma comum, o destino havia sido indicado por escrito.
A língua Magyar é de facto muito única, a quantidade enorme de vogais torna-a fácil de ler embora fossem poucas as palavras que Luísa entendia. Perto do hotel existe uma Gyógyszertár, pela montra percebeu tratar-se de uma farmácia. Numa esquina observou estacionado um carro da Rendőrség, pela pintura percebeu ser da polícia.
O Hotel New York Palace estava completo, apenas sorte foi ter sido destinado a Luísa um quarto com janela na fachada frontal, virada para a Nagy Körút. A relação entre o edifício e a cidade de Nova Iorque é nenhuma, pois nem o arquitecto era americano, tampouco essa cidade tem edifícios tão belos. O tempo voava entre check-outs e chek-ins e às quatro da tarde, após um banho quente e aromático rematado com toalha bordada e um Pöttyös óriás, a noite já estava instalada numa capital que se comportava igualmente, como se dia se tratasse.

Três dias, duas noites era o programa, embora a verdade significasse duas metades "queimadas" entre a chegada e a partida que as agências não relevam mas de facto só pode ser um óbvio como óbvias são as contingências das distâncias e trâmites legais ou acordados.
O porteiro abriu a porta e responde "szívesen" ao "thank you" que posteriormente passou a "köszönöm", Luísa entrou no primeiro eléctrico que parou, um número 4, desconhecendo o sistema de tarifas e controlo, simplesmente ao acaso e por curiosidade primária subiu, ajustou a saia púrpura e naturalmente sentou-se. O eléctrico manteve-se estático e de portas abertas durante uns cinco minutos ou mais até uma voz de altifalante provocar um êxodo total. Os mesmos olhares, tão sisudos e imóveis como o próprio eléctrico estavam agora na paragem, alguns fixados em Luísa que se mantinha sentada, mas só, dentro da carruagem. "Algo se passou, alguma coisa importante disseram ao microfone porque todos estão lá fora... em Roma sê romano, logo em Budapeste faz como vires fazer", terá pensado e o mais prudente seja abandonar também. Neste entretanto de indecisão, um leve toque no vidro e um sorriso do lado de fora... "The tram is stopped because of... some kind of problem… perhaps an accident in the track". O jovem continuou prestável e cortês, auxiliou Luísa a descer por uma mão quente já sem luva. Acertaram no idioma, que a outra opção seria o alemão, menos prático para ela mas indiferente para ele, num diálogo suficientemente extenso para as devidas apresentações terminarem num convite, Kávé és sütemény numa cukrászda.
László expressava-se num inglês fluído e com um sotaque mínimo, apenas incapaz de pronunciar correctamente o W, que sempre dizia V. Nos primeiros momentos a coisa era irritante principalmente quando o "vére" aparecia no lugar de "where", mas depois passou a ser engraçado e até motivo de graçolas, onde Luísa repetia o seu sotaque propositadamente sem que László desse conta.
Na outra mão ainda coberta por luva, o jovem transportava um dvd, Anything Goes, o musical. Obviamente Luísa aceitou o convite. László arqueou o cotovêlo e iniciou a caminhada. Luísa enrubesceu mas entregou a mão no seu braço e seguiram juntos.
I've got you under my skin era a composição de Cole Porter ditada pelo piano do Lukács à chegada, mas László fez questão de segredar ao ouvido do músico e de seguida surge Bossa-Nova numa melodia de António Carlos Jobim, Luíza.
O vislumbre da paixão enchia um coração devolvido de lembrança ou simplesmente uma nova esperança fez seus olhos brilhar e a pulsação saltitar... por um amador, aprendiz do seu amor... e desejou tanto um beijo.
Juntos visitaram o Szépművészeti Múzeum, um museu riquíssimo onde se encontram expostas peças de pintores e escultores de toda a Europa, pouca quantidade é certo, mas mais do que em todos os museus de Portugal, juntos. A exibição extraordinária de El Greco foi uma boa oportunidade também e por fim a iluminação da Praça dos Heróis emprestava magia ou poderes acrescidos ao Arcanjo Gabriel na sua tarefa de proteger com mais empenho os Magyarok, desde o topo da coluna ao centro.
László seduzia pela oportunidade e destreza de seus comentários e movimentos, um espécime masculino raro. História, literatura, poesia, pintura, música, cinema... eram motivo de conversa e domínio, diálogo nunca interrompido sequer para perceberem que as suas mãos já agarravam como se eternamente fossem par.
Caminharam até à Szent István basilika, de facto enorme e bela, mas não a igreja mais bela que alguma vez Luísa vira, faltavam-lhe os azulejos. Lá dentro sentiu-se novamente perto de Deus, aproveitou para pedir protecção e perdão por pecados, para já os do pensamento ou desejo.
O perfume doce na brisa que o Danúbio transportava excitava os sentidos e a imaginação para palavras mais belas, percorreram a margem de Pest até ao Nemzeti Színház, o teatro nacional. O frio e a estatuária do jardim contíguo resultaram em abraço, terno e macio. O jantar aconteceu no barco Spoon, com vista para o palácio real e a manhã apareceu com o encerramento da discoteca Buddha Beach, assim grande como o Lux, mas num armazém parecido com os das docas de Lisboa. Luísa regressou ao hotel onde descansou até ser noite novamente, o seu cansaço era diferente agora, parcialmente físico mas fortemente emocional.
Junto ao aparador, um ramo de rosas frescas devolveu o sorriso a Luísa e logo uma expressão facial indefinida de curiosidade estupefacta, um cartão dizia Szeretlek e um número de telefone.

Luísa não voltou a ver László mas sentiu Budapest na sua essência, romântica, tal qual imaginava. A sua história não chegou a ser de amor porque simplesmente preferiu desconhecer um final arrebatador.
László procurou por Luísa, três vezes esteve em Lisboa e outros milhares no mundo virtual, mas nada de Luísa... fosse outro o seu verdadeiro nome."
Hétvége Budapesten (Fim de semana em Budapeste).

Texto de James Stuart.

FLASH


O instante pequeno em que a máquina dispara. O momento do click é o espaço intermédio entre o ser e o não ser, entre o movimento e a paragem.



16.2.09

JAMES


James era um homem muito novo. Não chegara aos quarenta. Sabia a importância da ficção, quando a realidade se movimentava ao ritmo da vida dispersa. Tinha, em si, o desejo de mudança. Reuniões, negócios, gravatas, trocas comerciais e fatos engomados, faziam-no entender o valor da arte acima do enfado cinzento e monótono de uma vida profissional insonsa. Não conhecia Luísa, apenas a sombra de uma história pequena lhe ocupara os dias de um fim-de-semana de Inverno.
László era outro alguém, a quem James tinha emprestado existência, no instante de um flash fotográfico.

15.2.09

LÁSZLÓ


László já não esperava por Luísa. A certeza incómoda de que não a voltaria a ver. Sabia-a longe, talvez em Lisboa ou em outra cidade da Europa, perto do que ele considerava belo: a poesia e a música. O bilhete que lhe deixara no toucador era prova de que o amor subsistiria sem os corpos.

14.2.09

DE VOLTA A BUDAPESTE


Depois de mais uma noite em casa de Miguel, a inevitabilidade dos encontros e das ausências. Considerou voltar a Budapeste. O fim-de-semana das rosas no toucador do quarto do New York Palace tinha-a feito entender a importância da solidão no amor. No dia em que saiu sozinha para visitar o parlamento da cidade, supôs que o jovem a podia ter procurado no hotel. Até hoje não sabe se o fez.
Tinha como certo que um grande amor nunca acaba, mesmo quando a separação é eterna.

13.2.09

MIGUEL


Ela dizia-o antes que falasse. Ele lia-a antes que olhasse. Os dois, em Lisboa, pouco sabiam da vida um do outro. Encontros eram comuns. Em casa dela havia chá. Em casa dele vinho tinto. As taças de ambos tinham sido compradas longe, na cidade da luz maior.
As viagens eram solitárias. Os dois preferiam a não companhia. A nudez era partilhada em Lisboa. Apenas.
Miguel tinha a mania das conversas à lareira. No Verão, o clima quente não o fazia desistir do mesmo lugar. Cadeirão em frente ao espaço apagado e escuro. O quadro de Vasarely na parede branca chamava-o, mesmo quando a temperatura subia. Luísa podia, ou não, estar com ele. As conversas que dispunha na taça de vinho eram silenciosas, quando um livro era o interlocutor. Agradável ruído acontecia quando, além do vinho, Luísa se sentava em frente ao quadro e percebia que, para lá das cores, o movimento podia levá-la longe no pensamento. Miguel sabia-a distante e isso despoletava mais o desejo que sempre acontecia entre duas pessoas. Uma em frente à outra.

12.2.09

NUS


- Desculpa o meu silêncio de ontem.
- A nudez provoca quietude. Eu entendo.
- Eu não estava nua.
- Eu sei, Luísa. Tinhas apenas chegado de viagem. Conheço os teus hábitos. Saia na cadeira, corpo deitado, fotografia na mesa e olhos cheios de memórias.
- Tenho pena que saibas tudo sobre mim.
- Também eu.

11.2.09

QUASE NUA


Regressou de Budapeste. Despiu a saia púrpura à entrada de casa, em Lisboa. Tinha-a colocado na cadeira do quarto quanto o telemóvel tocou.
- Chegaste hoje?
- Agora mesmo.
- Sei-te nua.
- Quase.
- Ligo mais tarde.
- Não. Eu ligo-te amanhã. Hoje preciso do tempo.
Pousou o telemóvel em cima da cama e descansou. As pernas arrefeciam devagar. Puxou o edredão e aconchegou-se ao lado da fotografia a preto e branco que guardava na cabeceira. Era dia frio. A visita à cidade Húngara tinha-a deixado coberta de beleza. Não esquecia as flores postas no quarto do hotel. A palavra que deixaram no toucador começava a fazer sentido: “Amo-te”. Sabia-o longe e isso deixava-a tranquila. Levantou-se e preparou o banho quente.

Luísa sabia que, longe, havia outra história para contar.

10.2.09

CRIATURA RARA


Chamaram-lhe “criatura rara”. Deram-lhe a escolha de um assunto a publicar. Luísa assentiu. O e-mail caiu em saco pronto a encher-se de coisas novas. Sempre.O museu Vasarely, fica junto à ponte Árpád, no distrito III, em Budapest. Luísa sabia da existência de alguns “nus graciosos” desenhados pelo artista. Procurou, enquanto ouvia Liszt Ferenc. Nada viu. Depois da procura do nu, inverteu expectativas e formas. Cliques sucessivos a levaram à geometria.
A instabilidade dos universos, a impressão do movimento, o sentido por trás dos quadros. Uma forma de ver o mundo muito mais científica que humanista. Apesar da ausência da forma despida, Luísa avançou para lá do movimento. A ousadia era desafio. Em jeito de resposta, começou a publicação de Vasarely com as mãos a tremer de medo. Nus que não se encontram, autor Húngaro que nunca visitou e uma enorme vontade de continuar…

9.2.09

COMO OS POETAS

QUANDO OS OLHOS ESTIVEREM PRONTOS


Têm a distância e o tempo. Trocam mensagens por via de uma caixa de correio virtual que existe em lugares unidos por fio comum: A Arte e a Cidade. A primeira é dela, posta entre palavras. A segunda é dele, vivida entre momentos com piano e cinema.Conhecem espaços construídos com os dedos e com o pensamento. Lugares de visita e contemplação. Têm a companhia de outros eus que constroem em blogues individuais. Conhecem o tempo da imagem e a textura das ideias. Combinam trocas. Investigam pessoas que já morreram. Ouvem compositores desaparecidos mas presentes.
Num dia em que a chuva desabou sobre Lisboa, ela recebeu um e-mail:
- Sei-a capaz de escrever sobre formas geométricas e movimentos contínuos. Ilusões e amores desmedidos, visões mais ou menos científicas da realidade inventada pelos olhos. Publique. Eu republicarei com o seu nome.
- Sei-o capaz de escrever sobre o amor na cidade. Publique.
- Dê-me um nome.
- Luísa.
Os dois, entre a distância e o tempo. As mensagens, entre a ausência e a espera. Em dois blogues, as histórias de amor inventado e de insistentes movimentos.
Cruzam-se duas cidades da Europa. As pessoas não se conhecem. As palavras não adormecem.

8.2.09

25 -VICTOR VASARELY


Nasceu a 9 de Abril de 1908 em Pécs na Hungria, e morreu a 15 de Março de 1997 em Paris.
Estudou em
Budapeste e foi para Paris, onde trabalhou como designer gráfico em várias empresas de publicidade. Entre 1946 e 1948, depois de um período de expressão figurativa, optou pela arte construtivista e geométrica abstracta.
Experimentou o uso de transparências e cores em projecções, produziu tapeçarias e publicou as suas primeiras gravuras. Os seus quadros combinam variações de círculos, quadrados e triângulos, por vezes com gradações de cores puras, para criar imagens abstractas e ondulantes. Viajou por muitos países e recebeu vários prémios.
É considerado um dos principais artistas do movimento Op Art . A expressão vem do inglês (optical art) e significa “arte óptica”. Apesar do rigor com que é construída, simboliza um mundo mutável e instável, que não se mantém nunca o mesmo. Mais próxima das ciências do que das humanidades, as suas possibilidades parecem ser tão ilimitadas quanto as da ciência e da tecnologia.
Outros artistas Op Art dignos de nota são Alexander Calder e Youri Messen-Jaschin.
A arte que explora a falibilidade do olho através do uso de ilusões ópticas.

6.2.09

LUVAS COR DE CHOCOLATE

O uso de luvas, requer delicado trato com mãos e objectos. Para os que negam o preto, mãos escondidas em luvas castanhas são as que, na cidade, procuram encantos.

AVESSO


Os espelhos podem ser inquietantes. Quando olhamos o que não queremos.

5.2.09

LIMPEZA


Magritte

A limpeza dos espaços é equivalente à dos corpos. As almas voam pela janela e os pêlos, limpos de suor, desencaminham os desejos de pureza.

3.2.09

LUÍSA (Hétvége Budapesten)



László conheceu Luísa em Budapeste. Auxiliou-a a descer do eléctrico. ve got you under my skin era a composição de Cole Porter ditada pelo piano do Lukács. A melodia de António Carlos Jobim foi pedida em segredo. Os dois permaneceram atentos ao beijo que não existiu.
"(...)História, literatura, poesia, pintura, música e cinema... eram motivo de conversa e domínio, diálogo nunca interrompido sequer para perceberem que as suas mãos já agarravam como se eternamente fossem par(...)".

1.2.09

PARAGEM


A cara inchada, uma dor lancinante e a espera para a consulta, fazem-me parar a postagem por uns dias.