20.2.09

RECRIAÇÃO DO DESEJO

Menez

Quando alguém se vai embora, quando alguma coisa se perde, fica o sentimento vazio da ausência que queríamos presença. É o momento em que, privados do sentir e do ver, longe do tocar e do ouvir, mantemos o desejo encarnado de sangue e vivo de lágrimas. Aquilo, aquele ou aquela, ficaram longe, fizeram viagem para fora de nós, abandonaram presenças sentidas. Restam as palavras no espelho, as memórias na música e o suor nos dias que não voltarão.

A saudade é o desejo despido. O fervor e a vontade ficam sem água, sobrevivem por conta do sentir enclausurado, alimentam-se de uma recriação de imagens, de sons, de cheiros e de toques. Refaz-se a presença, ouvem-se os gestos, como se estivéssemos perto. É esse longe que fica nas mãos que agarram o nada e persistem na escura espera.

A génese do vocábulo está ligada à tradição marítima lusitana. Saudade descreve mistura de sentimentos: dor, tristeza, ausência ou perda. Do latim solitáte, voltamos à ideia inicial: perda que esbarra em solidão. Fortuna para os que dela retiram bem maior, força dos que sobrevivem com o querer sozinho (...).

Sentei-me aqui, com o espelho longe e a musica calada. A água transformou-se em chá. Verde. A saudade dos que não tenho puxou-me para o texto. A procura do desejo recriado e a força da vontade e do querer, fizeram deste branco, aquilo que leio e defino. Por desvario ou loucura, saudade pode ser triste. Por apego ou por amor, saudade pode ser contentamento. A escolha está na alma, quando o desejo se despe.

In: PnetMulher

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