27.2.10
21.2.10
PARIDADE
20.2.10
CONSCIÊNCIA
19.2.10
EM CASA COM PAULA REGO
18.2.10
PÉS QUIETOS
Lembro-me da noite em que explicou a razão de ser do espaço e do tempo. Tinha um copo de vinho na mão e, enquanto as frases se soltavam da boca, todo o conhecimento se desprendia do lugar onde estava arrumado. Tem o conhecimento arrumado em gavetas e, de vez em quando, abre uma a uma sem nunca misturar o que nelas está guardado. É fantástico olhar para os seus pés, firmes no chão da sala, enquanto as frases se constroem sozinhas por causa do seu pensamento.
A lucidez com que fala é parecida com a transparência da água num copo de cristal. Os pés estão sempre lado a lado, em cima de um chão que conhece e que percorre enquanto não fala. Está sempre sentado quando usa palavras. É impressionante. Parece que quer que elas se movam só numa direcção, por isso se mantém quieto com os pés.
17.2.10
AMOR EM ESTADO ADULTO
Fazem da vida, material de conhecimento, da cama, lugar de combate; da mesa fazem lugar de palavras e da estrada lugar de procura. Entendem a existência como coisa individual, tempo de estar consigo para poder estar com o outro. Nas noites em que, longe, sentem o desejo perto, telefonam para o transformar em corpo. Quando os olhos se vêem, tudo o que viveram sozinhos é motivo de troca, de riso e de contentamento.
Não querem saber se é casamento, namoro, encontro ou outra qualquer designação definidora de coisa superior. Isso. Coisa superior, vivida sem a limitação do outro, sem juízo de valor ou pergunta pateta. Coisa que, apenas quem ama em estado adulto consegue viver.
16.2.10
14.2.10
DEPOIS
Há muito que não escrevo sobre o amor. É coisa séria. Depois das ondas do mar, depois da marginal percorrida, depois das noites frias e da areia molhada, depois do suspiro e depois de tudo o que o amor permite que seja e que aconteça.
(Lou Reed; Perfect Day)
13.2.10
ONTEM HOJE E AMANHÃ
Eu era muito pequena. Na rua estreita vivia, no final de uma descida íngreme e sombria, uma vizinha que passava os dias com a mãe atrás de um balcão cheio de tarecos. Eram tachos, canecas, pratos, bonecas, talheres, vassouras, piaçabas e tampas de sanita ao pé de baldes. Era a minha vizinha das músicas, das letras e das brincadeiras no degrau de pedra baixinho onde me sentava para cantar. Eu usava bibe às riscas para não sujar o fato domingueiro. Ligávamos o rádio perto do ouvido e cantávamos como se não houvesse nem ontem nem hoje nem amanhã. Não podia imaginar que, passados trinta e cinco anos, um aluno me ofereceria o disco. Hoje, sem bibe, sem vizinha e sem rua estreita, a memória fica como se o tempo não tivesse qualquer importância.
12.2.10
DO CÉU À TERRA
Samuel Bak
11.2.10
MESA REDONDA
A propósito de uma mesa redonda e da troca de estranhas e bonitas ideias, publico aquilo que Fields me ofereceu num dos seus comentários:
“Seja o que você quer ser, porque você possui apenas uma vida e nela só se tem uma chance de fazer aquilo que quer. Tenha felicidade bastante para fazê-la doce. Dificuldades para fazê-la forte. Tristeza para fazê-la humana. E esperança suficiente para fazê-la feliz. As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas. Elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos. A felicidade aparece para aqueles que choram. Para aqueles que se machucam. Para aqueles que buscam e tentam sempre. E para aqueles que reconhecem a importância das pessoas que passam por suas vidas.” (Clarice Lispector)
Obrigada, estimada e atenta mulher.
9.2.10
PORTA DE FRIGORÍFICO
8.2.10
VENHAM DIZER-ME
7.2.10
COISAS FORA
6.2.10
UMBIGO
5.2.10
PÉS
Maurice Denis
4.2.10
MÃOS
Paul Klee
3.2.10
ENGANO
As pessoas más julgam que as outras são más.
As pessoas invejosas julgam que as outras são invejosas.
As pessoas mentirosas julgam que as outras são mentirosas.
As pessoas boas julgam que as outras são boas.
As pessoas verdadeiras esperam verdade das outras.
As pessoas honestas esperam honestidade e… um dia, as pessoas percebem que é um engano julgar os outros a partir de si próprio.
2.2.10
PEDRO NA AUTO ESTRADA
Luísa conduzia na auto-estrada a 150 Km à hora. O sol de Inverno limitava-lhe a visão. Alcatrão gasto e carro pouco preparado. Pensou ser o tempo de trocar de máquina, já que os dedos pediam outro tipo de volante, outro tipo de assento. A estrada estava limpa de gente. Cinco da manhã. Regressavam a casa os que tinham a certeza do dia que nascia. Os outros ainda dormiam sem certezas, perto das almofadas cobertas de branco.
Um carro ultrapassou-a. O homem olhou e seguiu em frente, como que a dizer que estava ali. Luísa não entendeu e voltou a passar pelo lado esquerdo de quem lhe travava o andamento: parvo, pensou.
Depois de algumas ultrapassagens parecidas com uma corrida improvisada, os carros mantiveram-se lado a lado, entre a noite e o dia que, prestes a aparecer, prometia estranha aventura.
“Eu sou o Pedro. Café?”, estava escrito num papel colado ao vidro. Não podia ter sido escrito durante a viagem. Por certo tinha-o pronto para mostrar em ultrapassagens pensadas. Luísa sorriu e acenou com a cabeça. Deixou que o carro seguisse atrás de si e, alguns quilómetros depois assinalaram a saída para a estação de serviço. Pedro seguiu-a com todo o entusiasmo posto no rosto.
Luísa não desceu do carro, tirou da carteira um pequeno papel engelhado e escreveu: “eu não gosto de café e o meu nome situa-se entre o meu e o seu carro.” Luísa.
1.2.10
SEMPRE CLOONEY
A pressão de um emprego que consiste em despedir pessoas, dizer-lhes que estão dispensadas de um lugar que ocuparam durante anos.
A pressão auto-imposta de uma vida sem compromissos.
A realidade amorosa colocada (entre parêntesis) porque assim o exige quem pretende ter mais que uma família estruturada.
A tentativa de uma ligação que se julgava repudiar.
Depois do conteúdo de um filme despretensioso e muito engraçado, o charme, a classe, a atitude do que se mantém, simplesmente Clooney.
E ainda, a melhor frase: “considera-me uma pessoa igual a ti, mas com vagina”.