Não vás por aí, escolhe o
caminho doce e arrisca o não pensamento. Não vás pelo lugar do escuro e do áspero.
Foge da dor que te persegue e inventa uma realidade macia. Não vás por aí, os
pés vão trocar-se e podes cair.
4.6.12
27.5.12
A caixa dos botões
Os botões são objectos que, não estando pregados na roupa, servem para ocupar caixas inúteis. Os botões, não estando pregados na roupa fazem, das caixas inúteis, objectos imprescindíveis.
26.5.12
Dia de festa
24.5.12
Professora, como é que se cresce?
Olhei para ela e sentei-me. Convidei-a a sentar-se. Olhou para mim com a lágrima a querer sair. Sorri-lhe. Sorriu com esforço.
A conversa não foi longa, o tempo suficiente para que entendesse a importância da pergunta "quem sou eu"?.
Depois levou uma referência de leitura. Disse-me: - nunca fui a uma livraria. E eu olhei-a com a mão em cima do ombro e respondi-lhe: - Está a tempo, vá depressa e, quando chegar lá, sente-se, olhe e coscuvilhe as prateleiras que a chamarem.
Saiu com o papelinho na mão e a esperança adiada, mais uma vez.
23.5.12
Bom Sonho
Hoje sonhei contigo.
Estavas contente e lembraste a noite em que não pude ir contigo à homenagem
desta grande senhora que canta. Hoje sonhei com o teu sorriso e com o teu
poema.
22.5.12
Pedra dura
Andou com um pé atrás do
outro e o da frente não avançava como queria. Andou tremendo de frio e suando
com o calor das ideias em fila indiana para um almoço amigo. Andou enquanto
pensava, porque o pensar acompanha os pés na estrada. Andou enquanto se perdia
e perdeu-se num andar sozinho. Andou com a vontade magra de querer
ir a lugar nenhum, e os pés tropeçaram numa pedra dura e preta que o caminho
inútil lhe apresentou.
21.5.12
"Do que já não é para o que ainda não é"
“- Pense, cavalheiro,
pense na grandeza do progresso que se cumpre diante dos nossos olhos – no progresso
que transporta os homens do passado para o futuro, do que já não é para o que
ainda não é, do que se recorda para o que se espera. Os selvagens não preveem o
futuro, não pensam no porvir, não preveem nem provêm. Contudo, nós, homens
civilizados, nós, homens novos, vivemos para o futuro e à mercê do futuro. Toda
a nossa vida está voltada para o que virá, construída na previsão do que
acontecerá."
Giovanni
Papini; O Espelho que foge
20.5.12
Sabor
É doce, como o sabor do
chocolate, com um travo pequeno a amargura. É doce porque mastigo devagar, e
todos os dentes permitem o contentamento. É doce e pequeno, desfaz-se na boca em
partículas de prazer. É o presente cheio de sumo e riso. É tão doce que
desconfio. Porque o sabor existe quando, nele, colocamos o corpo
inteiro.
19.5.12
Cheiro
Cheira a futuro, ao pedaço
de tempo que existirá. Cheira à vontade de ser que empobrece o que é, hoje,
presente projetado. Cheira ao que ainda não veio e pode não acontecer. Cheira a
pouco. Insisto em inalar uma espécie de adiamento. Parvoíce.
17.5.12
Mulher cansada
Anda uma mulher cansada das pernas que não saem de um sofá magoado e das mãos que não se separam da caneta encarnada. Anda uma mulher a precisar de separações que tragam duradoiros abraços. Anda uma mulher à procura dos dias sem sofá e sem pernas paradas no azul de um adiamento.
16.5.12
Nariz partido
Depois do cansaço
sentou-se na cadeira da sala escura com quadros na parede. A cadeira era velha,
os quadros falavam e a sala tinha mais de trinta anos. Sentiu a preguiça
invadir-lhe as pernas e ficou. Parada. Abriu os olhos e viu que o escuro era igual
ao do dia anterior.
Os escuros não são
todos iguais mas aquele era tão particular que preferiu vê-lo com calma.
Encontrou todos os fantasmas lá dentro, conversou com eles, serviu-lhes água
fresca e riu de tudo muito alto.
Quando o som do telemóvel
a fez saltar da cadeira velha numa sala escura com quadros que falam, bateu com
o nariz na mesa e gritou, muito antes de ler a mensagem desfasada da sua
realidade.
15.5.12
A mesa das palavras
Quando eu era pequenina, acreditava nas fadas e nos anjos. Eram entidades vividas debaixo de uma caixa de cartão num armazém cheio de camisolas. As fadas ditavam os sonhos e os anjos explicavam o caminho para lá chegar.
Deitada de barriga para baixo, com os cotovelos fixos no chão, fazia o meu entendimento encher-se de palavras simples. Depois, pegava nas palavras e subia as escadas, convicta de que, no sótão, as encontraria reunidas, à volta da mesa redonda que a minha mãe usava para dobrar a roupa.
14.5.12
Descida em escorrega quente
Depois veio o dia de calor. Temperatura alta turva pensamentos e faz, da pele, escorrega onde caem os afectos. Sempre gostei de escorregas, mas nunca do calor!
6.5.12
2.5.12
Cheia de raiva
Não me vou embora sem perceber o
grito e a dobra que o enrola. Depois, sento-me a olhar para o dia que não volta
e desembrulho a vida cheia de raiva.
1.5.12
Coisas que me inquietam (38)
Nem sempre desejo as coisas que
quero. O desejo pode ser o contrário da vontade desmedida e cega. Isso irrita-me.
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