30.12.11

Aniversário

Quando se começa um blogue não se sabe onde vão parar as palavras. Quatro anos. Não sei onde foram parar as palavras. Saíram de mim em dias dispersos. Quando se começa um blogue acredita-se que talvez as frases cheguem seguras a um qualquer lugar inquieto.

Dei uma volta ao tempo. Fiquei com a sensação que cada vez estou mais longe do que vivo e mais perto de mim. 

23.12.11

Lugar do Natal

Foto minha




















Vou para o lugar das lareiras acesas, dos laços dourados, dos colos redondos e das flores contentes. 

22.12.11

Dúvidas

Andrew Wyeth














Era uma vez uma menina que nunca tinha recebido presente de Natal. Não se portava bem. Depois de explicar ao menino Jesus que o seu comportamento se devia a necessidades educativas especiais, o menino concedeu-lhe provas de recuperação e adaptações várias. Deu-lhe oportunidades, deu-lhe tempo de reflexão e deu-lhe permissão para consultar a biblioteca do Céu. Mas a menina continuou a faltar às obrigações. O menino Jesus zangou-se e enviou-lhe pelo correio um plano: nunca faltar aos compromissos assumidos. A menina indignou-se e perguntou: o que são compromissos?

21.12.11

Fúteis obrigações

Vik Muniz



















Estarei ocupada, sentada em frente a caras cansadas e corpos quase mortos. Estarei ocupada a tentar não perceber por que razão se sentam todos para fazer mais que nada. Estarei tão ocupada quanto contente. Porque chegou o último dia de obrigações fúteis.

20.12.11

Divinas

Há músicas capazes de provocar os mais sublimes sentimentos. Há músicas divinas e infernais. Escolho as divinas porque é Natal, porque o sol possibilita suspiros profundos e vinhos caros, porque as luzes da cidade são poucas mas as da alma são tantas que estou capaz de dobrar o grito!

9.12.11

Compota

Morris Louis













Depois das personagens com destino incerto, resta a esperança de um sábado cheio de compota de morango em cima da fatia do pão quente.

8.12.11

Diário de Etelvina (9)

Morris Louis















Etelvina teve de intervir. As meninas estavam aos gritos, as mãos na cintura e os dentes a resvalar para o palavrão. Amarrou-as todas às cadeiras e espetou-lhes o dedo, afiou-lhes as garras e fê-las entender a urgência da disciplina. As meninas não quiseram saber e, quando o diretor do hospital entrou na sala 33, riram alto e bateram com os pés no chão.

7.12.11

Pele

Morris Louis





















Os dias de Dezembro são pequenos, como pequenos são os passos de quem corre para as lojas vazias à procura de uma pele que nem conhece. 

6.12.11

Teresa

Morris Louis
















Estou cansada e tenho que começar. A Teresa nasceu e saiu daqui. Está à espera de quem lhe dê um destino. O futuro dos personagens depende sempre de quem não os criou. É injusto.

5.12.11

Chávena

Morris Louis















Depois de um fim de semana de frio, resta a semana de trabalho, que aquece o raciocínio, os pés e as mãos. Etelvina ainda não parou. Luísa ficou longe e Teresa já nasceu. Personagens que acompanham os dias de quem quer escrever. O chá arrefece na chávena.

2.12.11

Vamos lá ver

Alberto Burri




















Vamos lá perceber se Dezembro compensa. Mais presentes para colocar no armário ou mais vontade de estar presente? Mais laços ou mais beijos e abraços? Vamos lá ver se gentes se consciencializam que crise pode significar oportunidade.

1.12.11

Mês de Dezembro

Começa a azáfama, a preocupação, a ocupação, a corrida, o desejo, a frustração, o cansaço, as pessoas, a família, os amigos, os papéis, os laços, a música, a lareira, os pés doridos e a barriga cheia demais. 


30.11.11

Desculpas adiadas

Foto de um pedaço de atenção












Deambulei pela casa enquanto tomava coragem para pegar no telefone e dar uma desculpa. Coloquei o disco, acendi o cigarro, apaguei o cigarro, desliguei o disco, voltei a olhar para o telemóvel e apaguei a luz. 

Era hora de sair para os arredores, experimentar a ser outra, passar pelas árvores e dizer bom-dia, olhar para a estrada e perceber que, percorrida, fica com aspeto mais duro porque, por ela, podem passar todos os medos. 

Pus o cinto de segurança. Apanhei a via rápida em direção a casa da Maria, a mulher dos filhos gatos e das idas ao supermercado.


29.11.11

Caminho de regresso

Foto de uma sombra que sou eu













Corri para a mesa do restaurante e paguei a conta. Entrei no caminho de regresso e fiz a estrada em duas horas de chuva e vento. O dia não tinha acabado e a noite não acontecia. A água descia do céu à terra e o tempo transportava-me para fora da minha consciência. Uma réstia de lucidez levava-me a pôr o pé direito no acelerador. 

Depois sentei-me, deixei que a água escorresse pelo corpo e que o frio entrasse nos ossos, puxei para mim as memórias e adormeci sem fechar os olhos. Já não fazia sentido procurar certezas, as pernas diziam-mo e os braços provavam-mo. De vez em quando um relâmpago, um estado de intermitência entre o escuro e o claro. Que importam as certezas quando o corpo está todo vivo?

26.11.11

Bonito demais



Sem conseguir respirar. A beleza que procuro e só encontro quando a vista se me turva.

25.11.11

Diário de Etelvina (08)

As meninas decidiram fingir que estavam a dormir, estavam tão acordadas quanto o sol que, naquele dia, nascera com o viço da manhã. Etelvina começou a cantar baixinho. As meninas abriram os olhos com indignação e afirmaram o despropósito da funcionária que cantava em serviço. No piso 3 julgava-se possuir a verdade. Da fragilidade e da ignorância, brotavam os maiores disparates. Etelvina tentava socorrer-se da experiência, esbracejava quando podia e abria os olhos com o poder dentro das pálpebras. As meninas ignoravam a funcionária. Viviam aquém de si mesmas e não queriam perceber que os dias ali passados eram a parte de trás de uma vida fora do lugar. 

Paula Rego

24.11.11

Gente esquisita

- A professora é esquisita. Chega a ser irritante.
- Porquê?
- Porque é sempre ao contrário dos outros.
- Gostam de rebanhos?
- Gostamos de ser normais.
- O que é isso?
- É, sei lá… é sermos como os outros.
- Portanto, serem ovelhas de um rebanho que vos comanda.
- E que mal há nisso?
- Nenhum, caso se sintam bem.
- Claro que sentimos.
- Ótimo. Não precisam de perguntas, as respostas que os outros vos entregam bastam-vos.
- Nem sempre.
- Quando os outros vos mostram perspetivas diferentes são esquisitos, chegam até a ser irritantes.
- Lá está a professora a dar a volta à conversa!

22.11.11

Fome de uma vida

Juarez Machado
















As noites com o cheiro da canela e do vento são sempre maiores. Quando fazem do corpo instrumento de medida e dizem, do mundo, aquilo que  não é, o vento passa devagar. Ficam quietos em frente ao que treme, mexem nas mãos que procuram e percebem que o sentir clarifica toda a realidade. A canela deposita-se em cima do que comem com a fome de uma vida.

21.11.11

Sem explicações

Pollock
















No dia seguinte não encontrou explicações. Levantou-se cedo. Saiu da cama e sentiu o mundo muito frio. Tapou o desejo que tinha fora de si e riu baixinho. Depois deu um salto para fora da água que impedia a quietude. Voltou-se para o lado seco da realidade e fez, das matérias, pensamentos mais serenos que as plumas. As explicações estavam escondidas na última gaveta da cómoda. Não a abriu porque teve medo de as poder entender.

20.11.11

Não há motivo

Pollock
















Naquele dia não havia motivo. Não é preciso haver motivo. Entrou dentro da cama e sentiu o mundo quente demais. Destapou o que o desejo tinha guardado e riu alto. Junto do corpo que tremia fez, dos pensamentos, matérias duramente dóceis. Depois voltou-se para o lado de dentro de um sentir intranquilo e voltou  a destapar tudo. O motivo não foi encontrado porque não é preciso.

18.11.11

Ele foi com ela à missa

Ele sentou-se ao lado dos estranhos. Ouviu tudo o que, de dentro, podia ouvir. Percebeu que podia encontrar respostas. Não se incomodou. Ele não viu qualidades nem defeitos, olhou para o altar e conversou com Deus. Acreditou que naquele lugar podia encontrar-se, mesmo que as velas se apagassem e os estranhos fossem sacanas.

17.11.11

Ela foi à missa

Um dia ela foi à missa e encontrou estranhos. Estavam sentados, os olhos postos no infinito e os ouvidos ausentes. Ela sentou-se e viu. Viu o crente e o ateu, o honesto e o sacana, o homem e a mulher, o filho, o pai, a mãe, o vizinho, o amante e todos os que rezavam em silêncio. Encontrou estranhos com a convicção em cima dos ombros e acreditou que, ali, a verdade andava espalhada por cima de todas as dúvidas.

15.11.11

Não te preocupes

Pieter Brueghel















Não te preocupes com aquilo que dizem. Faz das palavras que ouves o teu assento. Quando te levantares, agarra em todas as que te magoaram e derrete-as. Quanto às outras, o próprio vento se encarregará de as levar para longe. Não te preocupes nunca com aquilo que se dissipa. Preocupa-te com todas as palavras que constróis. Delas não deves fazer assento.