19.11.08

NAS TINTAS PARA O SISTEMA


O sistema, o monstro que ninguém vê mas implica com a vida de toda a gente, é entidade abstracta a quem não se pode telefonar e mandar à merda. Não é gente, não tem ouvidos nem boca para se defender, não tem estrutura física para levar um par de estalos nem inteligência emocional para podermos encetar com ele uma conversa. A aberração a que nos sujeita nas horas em que mais precisamos de levar a nossa vida em frente é pornográfica.
No banco:
- Desculpe, não temos sistema, terá que voltar mais tarde.
Na escola:
- O sistema foi abaixo, não se podem marcar faltas nem mandar cartas aos pais.
No hospital:
- Ficamos sem sistema há uma hora, temos que reiniciar os computadores, aguarde um pouco.
Outros sistemas se mantêm no plano da abstracção e não funcionam: o sistema político, o sistema jurídico, o sistema de saúde, o sistema educativo e o sistema financeiro. Confesso o meu ódio visceral aos sistemas, sejam eles quais forem. O mais importante sistema está doente. Não há mães nem pais com tempo para os filhos, a família desmorona-se, os petizes, por mais sistemas electrónicos que tenham instalado no quartinho, choram ausências.
Dizem que o sistema é o de trabalhar muito muito para sobreviver e não ter tempo para pensar. Os grandes do Clube Bilderberg estão em forma, prontos a furar qualquer sistema de organização, competência, exigência e rigor. Prontos para alterar estruturas emocionais sólidas, o sistema desses senhores já começou a estupidificar o povo que, cada vez mais, caminha para a ignorância. A escuridão do sistema mental das pessoas é terrífica, pensar por cinco minutos provoca profunda e irremediável exaustão. Poder sentar o rabo numa cadeira para reflectir sobre um livro tornou-se um luxo. Namorar é coisa rara. Rir começa a tornar-se suspeito.
É urgente correr, comprar muitos presentes de Natal, embrulhá-los bonitinhos, fazer figura social e não dizer palavrões. É obrigatório ser bonito, elegante, perfumado e magro, mesmo que não se tenha nada na cabeça. Não interessa, o sistema exige parecer. Apenas. A inteligência incomoda e atropela quem quer controlar, a capacidade de pensar é pormenor enfadonho, areia na engrenagem de um sistema filho da puta que só serve para nos tornar cada vez mais estúpidos. Desculpem os leitores que nunca, nas minhas palavras, leram grosserias. Estou a ser deselegante e politicamente incorrecta. Estou-me nas tintas para aquilo que o sistema me dita escrever. Que se lixe.
Se eu pudesse desligava o monstro numa noite de lua cheia. Instalava novo programa e deixava que o mundo se risse de tudo o que tinha ficado para trás.

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